O primeiro dia de Abril é popularmente conhecido como o Dia das Mentiras, mas é igualmente o dia em que se inicia o período de entrega das declarações de IRS, já muito aproveitado pelas IPSS para angariarem (mais alguns) fundos, através da consignação de 0,5% do imposto pago pelos contribuintes individuais. A isto chama-se fundraising, ou seja angariação de fundos.
Porém, simplesmente pedir um donativo não é a melhor política para uma efetiva e eficiente angariação de fundos. É fundamental entender que angariar fundos não é só pedir dinheiro, mas igualmente ganhar reconhecimento, apoio da comunidade e doações não monetárias.
É conhecido o estrangulamento que muitas instituições sofrem pela dependência financeira que têm das comparticipações do Estado e das mensalidades dos utentes. Muitas, demasiadas mesmo, são totalmente dependentes das referidas fontes de receita, mas as coisas não têm que ser assim.
Cada vez mais o fundraising ocupa um lugar importante na dinâmica das instituições do Setor Social Solidário e deve merecer por parte delas uma especial atenção, pois pode ser a solução para muitos problemas. Pressionadas pela dependência financeira dos apoios oficiais, muitas instituições têm-se desdobrado em iniciativas com o intuito de aumentar e diversificar as fontes de receita.
Ora, são, essencialmente, três os potenciais alvos da ação das instituições quando decididas a pedir doações: os particulares (pessoas individuais), as empresas e as fundações e outras entidades similares.
A forma de abordar cada uma destas entidades varia. Apenas a título de exemplo, os muitos peditórios que permanentemente ocorrem, local ou nacionalmente, são formas de fundraising junto de individuais, como é a candidatura a determinados prémios junto de fundações e de algumas empresas e a proposta de donativo para determinado projeto junto de empresas. As especificidades destas abordagens variam de facto, mas há princípios que em todas elas devem ser observados para que o resultado seja mais eficaz.
É fundamental ter alguém responsável pelo fundraising, alguém com formação, mas é fundamental envolver toda a instituição, dos colaboradores aos utentes. Ideal mesmo, mas são conhecidas as dificuldades que isso implica, é ter uma equipa especificamente dedicada à angariação de fundos. É um trabalho permanente e profissional, que exige formação e conhecimento, mas muitas instituições já estão despertas para esta realidade, avançaram e os ganhos estão à vista.
Na opinião de Adrian Sargeant, professor de fundraising na Plymouth Business School, dos Estados Unidos da América, “as organizações devem recrutar angariadores entusiásticos e comprometidos com a angariação de fundos” e formar equipas dedicadas, pois “a eficiência da equipa é mais importante do que a de grandes pessoas solitárias”.
A esta altura impõem-se referir o exemplo da A2000 – Associação de Apoio ao Desenvolvimento, de Santa Marta de Penaguião, que tem uma das suas técnicas superiores com funções de fundraiser, mas onde toda a equipa de colaboradores está envolvida no projeto de angariação de fundos, tendo como meta anual a obtenção de 600 euros cada.
Relembremos que fundraising não é mais do que o marketing ao serviço das causas. Daí que pedir dinheiro não chega. A individuais ou a pessoas coletivas (empresas ou fundações), “mais do que dizer o que se vai fazer, é importante explicar o que o donativo permitirá fazer e os ganhos que se tem com isso”, defende Adrian Sargeant.
“Não é o que fazemos, mas o que conseguimos que importa”, sustenta, sublinhando: “Quando se implementa uma ação de fundraising não se deve pensar em ganhar a campanha, mas em ganhar as pessoas e o seu comprometimento com a causa”.
O diretor e fundador da agência de marketing «Tangible Response» e também ele professor de fundraising nos Estados Unidos, Stephen Pidgeon, considera que “o maior erro das organizações não lucrativas é tomar como garantido que merecem o apoio das pessoas”.
Para Pidgeon, “as pessoas não querem dar às instituições, querem dar a pessoas e quem trabalha nas instituições tem que perceber que estão no meio da ponte entre o doador e a pessoa carenciada”.
O comprometimento alcança-se pela emoção que se consegue provocar no doador, ou seja, conseguir fazê-lo ver com o coração os benefícios da ação para a qual se está a pedir o donativo.
O objetivo é chegar aos doadores, atraí-los e fidelizá-los à causa/projeto. É fundamental criar empatia com a causa passando uma mensagem clara aos doadores, mas é, igualmente importante, dar algo em troca, ou seja, tornar o ato de doar numa parceria.
E neste particular é necessário conhecer bem os doadores, porque o fundraising “é ajudar as pessoas a descobrirem a alegria de dar”. Quem o diz é Eva Eggvisk, responsável pelo fundraising na NABP, uma associação norueguesa de cegos e amblíopes, e explica: “Deve contar-se uma história que leve a pessoa a doar, mas esta deve ser uma história sobre pessoas e nunca sobre a própria organização”.
Importante é, também, atribuir os louros ao doador. Todo o benefício conseguido com a contribuição do doador deve ser atribuído a este. Para Adrian Sargeant, deve “centrar-se todo o sucesso na contribuição do doador e isso deve ser-lhe mostrado”. O feedback é fundamental para se conseguir fidelizar um doador, porque este gosta de saber como termina a história.
E esta história pode ser a da ação corrente da instituição ou um projeto específico. Mas se pedir donativos para a gestão diária pode ser uma via junto de doadores individuais e indiferenciados, não é uma a melhor opção junto das empresas.
Alguns dos pontos referidos, apesar de serem transversais, têm uma aplicação mais direta quando a angariação é feita junto de individuais. Se a abordagem é ao mundo empresarial há questões a ter em atenção.
A filosofia de apoios das empresas tem duas vertentes: a reativa, em que dar é uma questão filantrópica e nada tem que ver com os objetivos da empresa, é a vontade de dar de volta à comunidade; e a proactiva, em que há uma estratégia definida ou com sentido.
Estratégia é algo que as instituições devem ter ao equacionarem solicitar um donativo a uma empresa. É fundamental dedicar tempo e trabalho à elaboração da proposta, estudando bem o meio empresarial.
Nesse sentido importa lembrar que as empresas pondo em prática a sua responsabilidade social podem ganhar reputação, reforço do envolvimento dos colaboradores, ideias para novos produtos e melhoria das relações com a comunidade, os fornecedores e os parceiros. A partir daqui e conhecendo os objetivos filantrópicos da empresa, a instituição deve definir uma proposta que lhes vá de encontro. Ter um contacto no interior da empresa pode ser decisivo, para aquando da reunião com quem decide, este já tenha ouvido falar do projeto. Procurar um ponto afetivo entre a empresas e a causa (leia-se, projeto) é importante.
“Utilizar os colaboradores das empresas na angariação de fundos é importante, até porque cada um deles é um potencial doador individual”, sustenta Mariana Rebelo de Andrade, da consultora de fuindraising «Call to Action», acrescentando: “É importante olhar as empresas como forma de chegar a um universo maior de doadores e para isso não basta pedir um donativo”.
Importante reter é que, atualmente, as empresas estão mais seletivas, olham as doações mais como investimento, procuram uma relação win-win e a inovação e querem participar na estratégia, no fundo, querem ser parceiros. Daí que… só pedir dinheiro não chega!
Nesse sentido, é fundamental organizar um plano de pedido, com estratégia e objetivos, avaliando os resultados e afinando a estratégia e apresentar contrapartidas.
Deve existir uma «relationship fundraising», ou seja, “tratar a empresa como parceiro, como um membro da equipa”, argumenta a co-fundadora da «Call to Action». E para isso é imprescindível “investir tempo no estudo das empresas e dos produtos para encontrar os alvos e a melhor forma de abordagem”.
Planear, identificar e classificar os alvos, cultivar a relação, pedir o donativo e acompanhar a doação reportando os resultados são as fases essenciais do processo de angariação de fundos.
Esta derradeira fase, a do acompanhamento, ou seja, a do feedback ao doador, a demonstração dos resultados obtidos com a ação em causa é crucial para a fidelização do doador, seja uma empresa, um individual ou uma fundação.
Reportar resultados, demonstrar o impacto na sustentabilidade financeira da instituição, apresentar o impacto do apoio dado é fundamental para que a empresa mantenha o apoio e/ou até volte a doar.
Neste particular, mais do que a quantidade de atividades realizadas interessa o impacto social das ações. O chamado SROI – Social Return On Investment (Retorno Social do Investimento) é fundamental. Esta avaliação é uma ferramenta de gestão que permite analisar o custo-benefício do valor social gerado e é uma das exigências do Portugal 2020.
A este propósito convém recordar um estudo da CNIS, o «Impactes Económico e Social das IPSS», realizado nos concelhos de Idanha-a-Nova, Peniche, Montijo e Macedo de Cavaleiros e que concluiu que, em média, 1 euro aplicado nas IPSS destes quatro concelhos representa 2,46 euros. É este valor acrescentado conseguido pelas IPSS na sua ação social que deve ser demonstrado, de forma cativante e apelativa, rigorosa e transparente, por forma a conseguir captar a atenção, o envolvimento e, sobretudo, a fidelização dos doadores.
A importância da angariação de fundos para as IPSS leva o SOLIDARIEDADE a regressar ao tema em próximas edições.
Pedro Vasco Oliveira (texto)
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