Pedindo desculpa pela invocação de José Afonso num tempo em que seria suposto reinar neste “jardim à beira mar plantado” um clima de justiça e paz social, democracia económica e fiscal, mas, ao invés, se assiste a uma onda de desvios colossais de riquezas produzidas no país e exportadas, pela porta do cavalo, para paraísos fiscais, com um Estado e o seu sistema fiscal a ser forte para com os fracos e fraco para com os fortes, apetece perguntar: ainda é verdade que “o povo é quem mais ordena”, como nos prometeram na revolução de Abril?
Abril foi bom, foi bonito, deixou-nos a imagem simpática do cravo enfiado na espingarda. À revolução devemos a liberdade, a democracia, o fim das guerras coloniais, muito do progresso social que retirou o país da pobreza e do isolamento internacional.
Ainda temos na memória a promessa da descolonização, da democracia e do desenvolvimento.” (Os famosos 3 D).
Porém… persiste um problema com a aplicação de “terceiro D” (desenvolvimento): um desenvolvimento económico e social de rosto humano, com acesso para TODOS à igualdade de oportunidades. Porque é que a concretização deste “D” tem sido sucessivamente adiada, a ponto de nos ter levado a sermos os campeões europeus das desigualdades sociais?
Durante muito tempo, falaram-nos do “monstro” do défice e da necessidade de apertar o cinto para controlar as contas públicas.
Porém, nos últimos anos e nos tempos mais recentes, tem sido um “fartar vilanagem”, com sucessivos e escandalosos crimes de colarinho branco que retiraram do país avultadas quantias financeiras, que nos levam a perguntar: e não acontece nada?
Em face de tudo isto, ainda persistirão dúvidas sobre a verdadeira causa das nossas desigualdades sociais?
Quem nos governa, ainda não percebeu que o povo começa a dar sinais de não estar disponível para engolir narrativas que pretendem fazer-nos crer que há fartura onde a gente vê pobreza, que está tudo sob controlo, quando assistimos a sinais preocupantes de uma certa luta de classes, que pode corroer a coesão social?
Permito-me citar o refrão da canção “vampiros” de José Afonso:
“Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada”.
E ainda:
“São os mordomos do universo todo,
Senhores à força, mandadores sem lei.
Enchem as tulhas, bebem vinho novo,
Dançam a ronda no pinhal do rei “.
“A toda a parte chegam os vampiros,
Poisam nos prédios, poisam nas calçadas;
Trazem no ventre despojos antigos,
Mas nada os prende às vidas acabadas”.
Pe. José Maia
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