«Crianças e Jovens em Acolhimento: Modelos e Práticas de Intervenção» foi o tema de um seminário promovido pela UDIPSS Lisboa, em parceria com o ISCTE-IUL, e que decorreu nas instalações desta última entidade, no passado dia 17 de maio.
Conhecer, analisar e compreender as problemáticas inerentes aos processos de acolhimento, institucionalização e integração social de crianças e jovens em risco era a proposta, a que acederam bastante responsáveis e técnicos de diversas instituições de todo o País.
Logo na sessão de abertura, o presidente-adjunto da CNIS, João Dias, sublinhou que a “pertinência da conferência está, para além de outras razões, na possibilidade de desmistificar os temas que nela serão abordados”.
Para o responsável da CNIS, “o diálogo e união entre organizações e pessoas de todo o País é de uma enorme importância para que sejam atingidos os objetivos idealizados”, lembrando que “os resultados do trabalho feito no terreno em Portugal são motivo de orgulho para todos”.
Por seu turno, José Carlos Batalha, presidente da UDIPSS Lisboa, justificou, de alguma forma, a razão para a realização da iniciativa: “As alterações e evoluções sociais ao longo dos tempos fazem com que, hoje, exista uma necessidade de diversificar e intensificar as respostas e intervenções por parte das instituições”.
Nesse sentido, defendeu que “é essencial uma construção de caminhos de diálogo, análise crítica e discussão, visando pensar os modelos e a intervenção com crianças e jovens em risco e/ou perigo”.
Já o anfitrião Nuno Guimarães, ISCTE-IUL, considerou que a “conferência permitirá que exista uma interação entre instituições, visando a articulação entre a teoria e a prática, a investigação e o trabalho que é feito no terreno”, acrescentando que, desta forma, “poderá conduzir a uma construção de conhecimentos mais sólidos”.
Finda a sessão de abertura, três oradores debruçaram-se, no 1º Painel, sobre as «Práticas colaborativas e de articulação entre entidades no sistema de promoção de proteção de Crianças e Jovens em Risco».
Manuel de Melo Gomes, com uma intervenção intitulada «O Papel das Entidades de Primeira Linha», começou por destacar a presença de IPSS de todo o País, desde Viana do Castelo a Faro, incluindo da Madeira, fazendo, de seguida a distinção entre os conceitos de risco e perigo: “Risco é a exposição a situações de perigo e perigo é a ocorrência de ofensas à integridade física ou psíquica”.
Abordando aquilo que se designa por pirâmide de subsidiariedade na intervenção em crianças e jovens em risco, Manuel de Melo Gomes sustentou que “as entidades de «primeira linha», na base da pirâmide, detetando situações de risco em crianças e jovens devem articular com a família”.
Já “em situações de perigo devem articular com o nível da pirâmide imediatamente superior e, em caso de emergência, contactar PSP ou GNR”.
Defendendo a “elaboração de relatórios sintéticos e objetivos” nos processos de confirmação de existência de risco ou perigo, o orador elencou ainda alguns fatores do ambiente promotor de risco: “família desestruturada e relações próximas com ambientes antissociais, entre outros”.
Por seu turno, Marina Fuentes abordou «O Papel das CPCJ», afirmando que “é essencial que exista sempre uma articulação entre a educação e as outras áreas de intervenção social”, sublinhando que “o papel da intervenção precoce não é o de reabilitar pessoas, mas é essencialmente o de reabilitar relações”.
“É imprescindível que a intervenção não passe apenas por um conjunto de terapias. Deve existir também, uma preocupação em pensar intervenções didáticas lúdicas que ocorram nos ambientes educativos em que a criança se insere e que lhe são familiares. A intervenção deve ser feita nos contextos de vida das crianças e, para que ela tenha qualidade efetiva, é necessária uma articulação entre a ação social, a saúde e a educação”, sustentou, acrescentando: “As vivências negativas a que uma criança é exposta (situações promotoras de um ambiente de risco e/ ou perigo) podem afetar até duas gerações seguintes, criando um padrão de comportamentos que poderá agravar-se de geração para geração”.
A «Intervenção Precoce» foi o tema da preleção de André Rica, para quem “é essencial que exista articulação e transdisciplinaridade”.
Para o especialista, “o apoio às crianças e famílias deve ser integrado, articulado e participado”, por isso “as várias entidades têm que funcionar como um todo e, determinada realidade, deve ser olhada de diversos ângulos, contando com o contributo de todos para um mesmo fim”.
Assim, as instituições de primeira linha “são, nestes casos, as mais importantes, porque são aquelas que se encontram mais perto do objeto de intervenção”.
Por outro lado, para André Rica, “a comunicação é essencial para que todos conheçam o trabalho a ser desenvolvido por cada um e, dessa forma, se complementem”.
E como nas escolas se cruzam os pais de hoje e os pais do futuro, deve-se “treinar/educar os pais do futuro através da relação/intervenção que se faz com os pais do presente” e, nesse sentido, “é importante que, ao intervir, se reforce a autoestima das crianças e se fale a linguagem dos afetos”.
«Modelos de intervenção com as famílias de crianças/jovens em risco» foi o tema do 2º Painel, com Rui Godinho a levar ao seminário o exemplo da «Equipa de Apoio a Famílias da SCML».
“A família é um vetor essencial ao bem-estar de qualquer ser humano”, começou por dizer, frisando que “é necessária inovação nos modelos de intervenção com as famílias e mais instrumentos transformativos da intervenção”
“Não podemos continuar a dar o peixe, é imperativo que comecemos a ensinar a pescar. É preciso romper com os paradigmas de intervenção, pois são necessárias equipas que transformem e não que apenas apoiem as famílias. Estas equipas devem atuar no sentido de promover a autonomia das famílias e seus elementos, combatendo a dependência”, defendeu, acrescentando: “A avaliação de toda e qualquer intervenção deve ser feita por todos, incluindo as famílias com quem essa intervenção ocorreu. É preciso ouvir as famílias, as suas opiniões, sugestões e pontos de vista. Esta avaliação estará na base dum processo de consciencialização e responsabilização das famílias, envolvendo-as nos processos de promoção e proteção das suas crianças e jovens”.
Para Rui Godinho, “a intervenção deve ser total, terapêutica e integrada, no sentido de capacitar as famílias para equilibrados procedimentos que excluam situações de risco para as suas crianças e jovens”, por isso, “toda a intervenção social tem que ter o mesmo nível de exigência”.
A terminar, Rui Godinho apelou à não burocratização da intervenção, defendendo: “O nosso trabalho é diretamente com as pessoas e no terreno”.
Por sua vez, Carmelita Dinis abordou «A Intervenção com Famílias em Risco: desafios e potencialidades».
“Enfrentamos hoje multidesafios e, para que lhes possamos dar resposta, precisamos de tornar as famílias com quem trabalhamos em famílias voluntárias. Para que elas se tornem voluntárias, não as devemos pressionar ou julgar, isso será contraproducente e resultará numa família involuntária”, afirmou logo de entrada, lembrando que “as necessidades das famílias têm que estar na base da definição da intervenção e, durante essa mesma intervenção, deve existir um reconhecimento dos mecanismos e competências das famílias num processo de construção, capacitação e responsabilização”.
Carmelita Dinis defendeu, depois, que “as famílias devem ser levadas a assumir compromissos e devem ser envolvidas nos processos de definição das intervenções”.
«O Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental» foi a temática a que Graça Mira Delgado dedicou a sua intervenção no ISCTE, referindo o «Projeto Família», “uma metodologia de intervenção junto das famílias e cujo grande alvo são as crianças e jovens em risco e perigo”.
“Não existe muito trabalho de gabinete, pois a maior parte do trabalho é feito no terreno junto das famílias. Ou seja, o técnico opera em casa, junto das famílias, da comunidade e tudo é discutido e definido em conjunto com as famílias. É importante perguntar à família quais pensa serem as suas necessidades e os seus objetivos”, explicou, acrescentando: “Ouvir e aceitar as famílias será uma forma de estabelecer relações positivas com as mesmas, fazendo com que a intervenção tenha mais qualidade. É importante, também, consciencializar as famílias dos problemas que têm para que elas sintam vontade de mudar”.
Depois, Graça Mira Delgado defendeu não existir “um modelo aplicável a todas as famílias”, sublinhando: “O nosso papel é adaptar e formular intervenções adaptadas e de acordo com as especificidades das pessoas e conjuntos de pessoas que acompanhamos. Percebeu-se através da implementação desta metodologia que duas famílias por técnico é uma distribuição que permite que o trabalho tenha mais qualidade”.
Este tipo de intervenção vai sendo avaliado, “processo em que as famílias também devem participar”, referiu, acrescentando: “Os técnicos contam, ao longo do processo, com uma supervisão que acaba por conferir mais qualidade ao trabalho, uma vez que através dessa supervisão é possível detetar pontos passíveis de melhorias ou de alterações necessárias”.
Já da parte da tarde, o seminário prosseguiu com o 3º Painel, subordinado ao tema «Modelos de intervenção em acolhimento residencial».
Emília Rufino («Modelo de intervenção socioeducativo em Casas de Acolhimento Generalista») começou por dizer que “o objetivo último do acolhimento residencial é a autonomização das crianças e jovens acolhidos”, destacando que “é fundamental que exista muita comunicação entre todos” e considerando muito importante que “as crianças e jovens sejam ouvidos e levados a participar ativamente em tudo o que se passa no seu dia-a-dia e ainda a refletir e autoavaliar-se relativamente aos seus comportamentos”.
Com o mote «Intervenção educativo-terapêutica no acolhimento residencial», Ricardo Martinez defendeu que a intervenção deve tocar os seguintes aspetos: “Motivação; Oferecer coisas que não possam ser compradas com dinheiro; Trabalhar o indivíduo a partir do grupo e não isolando-o; Aproveitar, de forma pedagógica, e potenciar o conflito incentivando a autorregulação; Ensinar e aprender a pedir ajuda a quem o rodeia; Ensinar a transportar para a vida as aprendizagens que faz na instituição”.
Para além disto, Ricardo Martinez, sustentou que “os jovens precisam de ter experiências de dor e prazer, porque são essas experiências que ficam na memória a longo prazo”, pugnando por uma “gestão cooperada”, em que se ouvem os jovens e equacionam as suas sugestões, pois “eles devem sentir que fazem parte da procura de soluções”.
Depois, abordou a «Metodologia do buraco»: “Existe uma caverna na Serra da Arrábida que é preparada com sistemas de segurança que não são conhecidos dos jovens que ali são conduzidos. Chegados ali são desafiados a entrar e sair pelos seus próprios meios. Sendo uma atividade com um grau de dificuldade elevado, acabam por pedir ajuda. Desta forma desmistifica-se a atitude arrogante frequentemente evidenciada. As metáforas da metodologia do buraco fazem com que os jovens entendam a importância que a instituição e as pessoas que nela trabalham podem ter para a sua vida”.
Um dia de muito frutuoso para quem lida diariamente com as problemáticas do trabalho com crianças e jovens em risco, o seu acolhimento e intervenção junto das famílias.
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