Na crónica de hoje tentarei explicar porque é a união bancária fundamental para a sobrevivência da zona euro.
O euro é um projeto político e, basicamente, foi o preço que a Alemanha teve de pagar pela reunificação.
Naturalmente que os alemães impuseram algumas condições. Entre elas o princípio de que, embora diferentes países usem a mesma moeda, em matéria de dívida soberana é cada um por si.
A ideia fundadora, que já constava do tratado de Maastritch, era a de que, em matéria de dívida soberana, não há partilha de risco, isto é, nenhum país membro da UEM poderia ser responsabilizado por dívidas de outro país membro.
O tratado de Maastritch sempre conteve uma cláusula de “no bail out” da dívida soberana da zona euro, ou seja, os investidores sabiam (ou deviam saber) que, em caso de crise na dívida de um qualquer país da UEM, estavam por sua conta.
Que tem a união bancária a ver com isto? Embora possa não parecer, tem tudo!
A verdade é que, com sistemas bancários como hoje existem, isto é, em larga medida “nacionalizados”, no sentido de terem o essencial dos seus ativos e dos seus negócios confinados aos estados nacionais onde têm a sede, a cláusula de “no bail out” simplesmente não é credível.
O sistema bancário “nacional” tende a ter nos seus ativos uma grande quantidade de dívida soberana do seu país. Não se trata de patriotismo, trata-se de uma estratégia de negócio que faz sentido. A quantidade de capital que um banco é obrigado a deter depende do tamanho e do risco dos seus ativos. A dívida soberana é atrativa deste ponto de vista dado que é considerada sem risco e, como tal, não gera necessidades de capital.
Em tempos normais a dívida do estado no balanço dos bancos não é questão de maior. O problema é quando os mercados começam a duvidar da solidez do balanço dos bancos. Os mercados intuem que se a coisa for séria com os bancos o estado terá de intervir para salvar o sistema.
Para salvar os bancos o estado tem de endividar-se. Isso implica que, tudo mais igual, as taxas de juro que o estado é forçado a pagar tendem a subir.
Quando as taxas de juro sobem o valor dos títulos que já estão emitidos perdem valor. Como os bancos têm esses títulos nos seus balanços estes, se já estavam mal, pior ficam o que reforça a necessidade do estado intervir.
Como parece evidente isto entra numa espiral de morte, num círculo vicioso de onde não é possível escapar.
Que o diga a Irlanda que, em 2011, embora tivesse entrado na crise com o mais baixo ratio dívida/PIB da UEM e tivesse uma economia forte, foi forçada a resgatar um sistema financeiro em colapso e, em pouco tempo, ficou sem acesso aos mercados.
A regra de cada um por si não é credível se a restruturação da dívida soberana de um país implicar a implosão do respetivo sistema financeiro local e potenciais efeitos de contágio que ponham em causa o sistema financeiro como um todo da UEM. Talvez a UEM sobrevivesse a um sistema financeiro português em cacos. Mas seria assim se o contágio chegasse aos grandes bancos franceses?
Voltámos a esta dura realidade recentemente com a formação do novo governo de Itália. O receio sobre a solvabilidade da dívida soberana italiana levou a que as ações dos bancos italianos caíssem a pique (alguns deles são credores do estado italiano em muitos biliões de euros), mas, ao mesmo tempo, todo o sistema financeiro europeu, incluindo as grandes seguradoras, veio por aí abaixo por duas razões – risco de contágio e risco direto porque todos os grandes bancos e seguradoras da UEM são também credores em escala não despicienda do soberano de Itália.
Resumindo: a credibilidade da regra de cada um por si implica quebrar a espiral de morte que junta a dívida soberana ao sistema bancário, ou seja, a coisa resolve-se no dia em que os investidores acreditarem que os males do sistema financeiro “local” não implicam necessariamente o colapso financeiro do estado.
É para isto que a união bancária (UB) é necessária.
Uma das bases da UB é um sistema de supervisão dos bancos comum. Os investidores querem estar tranquilos de que, independentemente do país de origem do banco, a qualidade e segurança do seu balanço é analisada pelos mesmos métodos e com o mesmo grau de competência e finura por uma entidade independente dos estados nacionais. Esse passo já foi dado e hoje os principais bancos europeus são supervisionados pelos BCE.
Depois é necessário garantir que o custo financeiro da resolução dos bancos não vai cair em cima dos estados nacionais. Isso implica duas coisas: por um lado regras de resolução comuns e, por outro, um fundo supranacional que pague os eventuais custos da resolução. Também esse passo já foi dado, contudo, a capitalização do fundo europeu vai levar ainda algum tempo.
O fundo pode não ter capital suficiente para suprir os custos financeiros da resolução dos bancos pelo que pode ser necessário criar um sistema de respaldo, isto é, um processo de financiamento do fundo que não obrigue os estados nacionais a endividar-se para financiar o sistema.
Há ainda a questão dos depósitos. Os depósitos estão seguros até determinada quantia, em geral cem mil euros, através de um fundo de garantia. Se o fundo não tiver capital suficiente o estado pode ser chamado a intervir. Mais uma vez o ideal seria que os estados nacionais não tivessem esse encargo o que seria conseguido se o sistema de seguro dos depósitos fosse uma estrutura supranacional e não constituísse uma responsabilidade dos estados nacionais.
A cimeira europeia de Junho tomou decisões importantes sobre estes dois passos.
Também seria positivo que os bancos reduzissem a sua exposição a dívida soberana. Uma forma de o fazer seria alterar as regras que permitem os bancos investir em dívida pública sem pôr capital de lado. Um outro modelo, menos radical, seria penalizar não a dívida pública em si, mas antes a excessiva concentração em dívida do próprio país.
Talvez haja uma solução ainda mais ambiciosa. Os bancos gostam da dívida pública porque não consome capital, mas também porque é o ativo seguro por excelência. Se for possível oferecer aos bancos um ativo seguro e líquido alternativo, provavelmente, a detenção de dívida soberana direta tenderá a cair.
A solução óbvia para criar um mercado de dívida líquido, profundo e de grande dimensão na Europa seria mutualizar a dívida soberana, as famosas eurobonds. As eurobonds poderiam ser o ativo seguro europeu transnacional.
Mas todos sabemos como isso não é politicamente vendável. Neste caso, provavelmente, nem mesmo no espaço de uma geração haverá abertura para um tal resultado.
A questão está em saber se podemos criar um sucedâneo. Talvez!
Espero pelo menos ter demonstrado como a UB é um processo longo e extremamente complexo. Alguns passos estão dados, mas falta ainda um longo caminho.
Estas e outras coisas veremos com mais detalhe na próxima crónica.
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