A unificação bancária (UB) é essencial à sobrevivência da zona euro.
Alguns passos já foram dados - supervisão comum, fundo e regras de resolução comuns. Outros foram encaminhados na cimeira de Junho de 2018, nomeadamente o início do processo que haverá de levar a um seguro comum dos depósitos e colocar o ESM (Mecanismo Europeu de Estabilidade) a respaldar, se necessário, o fundo de resolução bancária comum.
A questão do seguro comum europeu dos depósitos é um tema complexo e que tem estado tolhido pela usual intransigência alemã. A Alemanha tem receio que sejam sempre os mesmos a usar o fundo e sempre os mesmos a contribuir. Isto é, se os países do sul são mais propensos a crises bancárias, corre-se o risco de criar, através da mutualização do seguro dos depósitos, pela porta das traseiras, um sistema de transferências permanentes entre países membros da UEM. E isso está fora de questão!
Aparte a gabarolice alemã – que também tem problemas sérios no seu sistema bancário – a verdade é que o receio existe e não o podemos ignorar.
A questão está em saber se existem meios de satisfazer a ansiedade germânica sem comprometer o essencial do sistema comum de seguro.
Existem e até são simples. A indústria dos seguros diz-nos como se deve fazer.
Desde logo os “prémios” para o seguro comum dos depósitos não têm de ser iguais para todos. Os países com maior risco podem pagar prémios maiores. Por exemplo, países com maiores sistemas falimentares menos eficientes e, portanto, onde as dívidas aos bancos são mais difíceis de cobrar, pagarão prémios maiores.
Por outro lado, é sempre possível conceber o sistema em “fatias”, por exemplo, um nível nacional e um nível comum. A fatia nacional responderá sempre em primeira linha e a fatia comum só seria chamada a intervir em caso de catástrofe.
É possível quadrar o círculo! É possível construir um sistema de incentivos devidamente alinhado e satisfazer a ansiedade germânica!
Contudo, mesmo que seja possível mutualizar o seguro dos depósitos ainda ficamos curtos – é necessário reduzir a propensão dos bancos a acumular dívida soberana do seu país.
Aqui o ponto é encontrar formas de alterar o sistema de incentivos sem desestabilizar os bancos ou os juros da dívida pública.
Se, por exemplo, de repente, a dívida pública passasse a contar para as necessidades de capital, os bancos que não quisessem (ou não pudessem) aumentar capital poderiam inundar os mercados de títulos e fazer baixar o seu preço ou, o que é o mesmo, subir os juros.
A alternativa seria penalizar apenas a concentração da dívida em dívida nacional. Por exemplo, poderia manter-se genericamente o peso de zero da dívida pública, contudo, introduzir-se uma carga de capital derivada da excessiva concentração por país emissor. Essa carga de concentração levaria os bancos a diversificar os seus portfólios de dívida pública com menos peso do soberano local e mais peso de soberanos estrangeiros.
Provavelmente este processo requer um longo período de tempo, ou seja, uma eventual carga por concentração teria de começar por baixo e evoluir lentamente.
Mais fácil (e rápido) seria criar um ativo seguro e líquido que não dependa da dívida soberana de cada país.
Excluídas que estão as eurobonds por muitos e bons anos resta-nos a solução do sucedâneo.
A ideia seria criar um produto financeiro, respaldado por dívida soberana de todos os países da UEM, mas que não é responsabilidade direta de nenhum país da UEM.
Na prática temos uma carteira de dívida soberana direta dispersa pelos diferentes países, continuando cada um a ser responsável a 100% pela dívida que emite. Sobre essa carteira, são emitidos títulos que são alimentados pelo dinheiro gerado pela carteira base.
O que é que acontece se, porventura, um dos estados entrar em dificuldades e sua dívida desvalorizar?
Em verdade toda a carteira desvaloriza e, consequentemente, os títulos emitidos sobre a carteira também. Em suma, não resolvemos nada.
Bom… há um pequeno truque! Dividimos os títulos emitidos sobre a carteira em duas fatias – uma júnior e outra sénior. A primeira absorve todas as perdas, a segunda só absorve perdas numa situação de catástrofe totalmente imprevisível. Os títulos da segunda camada são tão sólidos como a mais segura da dívida soberana nacional (alemã, por exemplo) e podem servir para os bancos como ativos absolutamente seguros.
O truque pode parecer interessante, mas há quem conteste a bondade da solução.
Se a tranche júnior for demasiado pequena não é fácil garantir a robustez da camada superior e, nesse caso, não temos ativo à prova de bala.
Se a tranche júnior for demasiado grande então podemos ter uma fatia sénior verdadeiramente segura, mas o volume pode ser pequeno em função da procura.
Por outro lado, é necessário pensar na robustez do sistema debaixo de stress elevado.
Numa situação de stress elevado haverá sempre a fuga para ativos de refúgio, provavelmente uma debandada da camada júnior.
Na verdade, podemos acabar numa situação em que os spreads entre países seguros e países frágeis acabem por se alargar em vez de diminuir e da escassez de ativos seguros ficar ainda mais aguda.
Creio que este é um tema que precisa de maior análise. Em todo o caso, por aqui ou por outra vereda, é necessário construir ativos seguros fora da dívida pública nacional.
Há quem defenda que o ativo seguro supranacional já existe - são os 2,3 triliões de euros de títulos que o BCE acumulou desde que começou a comprar dívida (no essencial soberana) como forma de injetar liquidez extra nas economias.
Pode ser uma boa base de trabalho.
No entanto, no dia que tivermos em comum a supervisão, as regras e fundo de resolução bancária, o seguro de depósitos e ativos seguros partilhados, não teremos a UB completa.
Na verdade, só estará completa no dia em que o essencial do negócio bancário for “desnacionalizado”, ou seja, no dia em que o negócio bancário europeu for dominado por grandes bancos transnacionais ficando eventualmente alguns pequenos bancos locais com quotas de mercado residuais ou em negócios especializados.
Também aqui a Europa enfrenta uma tarefa gigantesca. A Europa tem bancos a mais. Dos cerca de 6.600 bancos que atualmente existem na Europa (eram quase 9.000 em 2008) não restarão mais que duas ou três dezenas de grandes bancos transeuropeus e uma miríade de pequenos bancos locais cuja resolução, se necessária, será simples e breve.
Nos Estados Unidos, uma economia de dimensão similar à EU 28, existem menos de 5.000 bancos (eram quase 15.000 nos anos 80) mas, desses, menos de 20 são considerados sistemicamente relevantes e merecem supervisão reforçada da FED e regras regulatórias mais exigentes.
A “desnacionalização” do negócio bancário será um processo lento - coisa para uma geração - contudo, indispensável se queremos mesmo ter uma moeda comum sustentável.
Mas mesmo uma UB completa seria insuficiente – seria necessário também integrar o mercado de capitais. Fica para outro dia.
Não há inqueritos válidos.