Num tempo em que tanto se fala daquilo que deve ser competência do Estado e tendo em conta que muitas das vezes o Estado se mete onde não é chamado e se omite naquilo que é seu dever garantir aos cidadãos, há, decididamente, obrigações que só a ele competem e sobre as quais deve ser avaliado o seu desempenho e até a sua própria razão de existir, como instância medidadora da Nação na sua relação com os cidadãos e as Organizações da Sociedade Civil.
A circunstância de estarmos confrontados com um défice de montante tão elevado, tem servido de oportunidade para interiorizarmos a incapacidade do Estado, através de sucessivos Governos, de gerir com rigor, equidade social e ao serviço do bem comum, os bens que, sobretudo pela via fiscal, os cidadãos lhe confiam.
Um conjunto de iniciativas que o actual Executivo tem vindo a tomar no sentido de restabelecer o equilíbrio das nossas contas públicas, podendo ser questionadas na sua forma de aplicação, têm-nos dado a conhecer uma realidade que se sabia existir, mas não em tão grande extensão, sobretudo no que se refere à infinidade de estatutos especiais no tratamento desigual dos seus cidadãos que consubstanciam uma autêntica segregação no acesso a direitos e regalias sociais, provando na prática que há na sociedade portuguesa, no mínimo, duas classes de portugueses: os portugueses de primeira (funcionários do Estado e Empresas Públicas, sempre ancorados por sindicatos que a tudo chamam "direitos adquiridos e inalienáveis" que o orçamento de Estado tem de assegurar, mesmo que falido), e os portugueses de segunda (aqueles que trabalham fora do Estado, sempre permeáveis a conjunturas desfavoráveis de insegurança laboral, de ameaça de desemprego e até de risco de perda de acesso a direitos sociais).
O que se vai passar nos próximos tempos deverá merecer a nossa maior atenção, uma vez que, se um Governo com maioria absoluta nas circunstâncias em que foi eleito, não conseguir reformar o Estado...aí o povo poderá concluir que o problema está no próprio Estado e na classe política que, ao longo de vários anos, tem assumindo as responsabilidades de gestão desse mesmo Estado.
Neste caso, talvez o povo não se conforme com o ritual do costume: novas eleições, mudança de partido no poder, e seja o que Deus quiser.
Pode o povo querer outra coisa!
Andam no ar ventos de descontentamento que urge captar e saber interpretar.
Na verdade, apesar da gravidade da dimensão do défice, o problema de Portugal talvez seja, neste momento, mais político que económico.
Problemas políticos reclamam bons profissionais de política para reconquistarem a confiança dos portugueses para, através de uma adequada pedagogia de cidadania e de uma nova cultura e prática política, os mobilizarem para os desafios do futuro.
Certamente que os políticos que se vão apresentar a eleições para as Autarquias e para a Presidência da República terão isto presente!
Pode ter chegado ao fim de ciclo a Partidocracia, como forma de interpretar a nossa Democracia, uma vez que os Partidos se têm revelado incapazes de colocar ao serviço do Estado bons quadros políticos, tendo caído na tentação de aproveitar o Estado para servir os interesses dos seus seguidores.
Mais do que uma "classe política" pode o povo exigir "políticos com classe" para o governarem, filiados em partidos ou simplesmente cidadãos competentes e sérios com provas dadas nas suas vidas profissionais e que aceitem dedicar-se à Causa Pública para dignificar o País e servirem os seus concidadãos.
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Data de introdução: 2005-10-16