ESTUDO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE GERONTOLOGIA SOCIAL

40% dos técnicos e diretores das IPSS sofrem de cansaço extremo

Um estudo realizado pela Associação Nacional de Gerontologia Social (ANGES) a 339 trabalhadores revela que cerca de 40% dos técnicos e diretores técnicos das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) de Portugal sofrem de burnout (cansaço extremo).

A "Avaliação Multidimensional dos Trabalhadores das Organizações Sociais em Portugal - Burnout e Engagement” teve como objetivo analisar os fatores de risco para o desenvolvimento de esgotamento físico e mental nos trabalhadores e nos responsáveis de cargos diretivos. “Este estudo aparece em setembro de 2019, mas a Associação Nacional de Gerontologia Social, fundada em 2012, orienta-se por esta vertente do fator recursos humanos nas Organizações Sociais. Nós tínhamos feito um outro estudo, também coordenado por mim que tinha analisado os efeitos da formação nos auxiliares e ajudantes das instituições e passava-nos um pouco à margem que o estado dos técnicos e diretores técnicos fosse muito semelhante. Pensávamos, erradamente que o facto de terem preparação profissional e formação superior que os outros não têm, pudesse protegê-los. Pensávamos ainda que o fator idade pudesse também ajudar uma vez que houve uma regeneração sobretudo nos quadros técnicos das organizações. Imaginava que alguém melhor preparado tinha uma capacidade diferente para lidar com a adversidade, os problemas do dia a dia, com as necessidades do próprio sector. Reconhecemos agora que não. O estudo evidencia que 40 por cento das 339 pessoas entrevistadas estão numa situação de comprometimento físico e psicológico, aquilo que chamamos de burnout.” A explicação é de Ricardo Pocinho, presidente da ANGES e coordenador deste trabalho que teve uma equipa de investigadores que contou com a participação de Pedro Carrana, Bruno Trindade, Cristóvão Margarido, Rui Santos e Gisela Santos.

A avaliação multidimensional concluiu ainda que a grande maioria dos trabalhadores inquiridos (73,7%) sente-se satisfeito com a sua vida, mas somente 59,9% "perceciona a sua saúde física e psicológica como razoável". Afirma o investigador: “Nós para além de medirmos o burnout medimos também o comprometimento de cada uma das pessoas que se chama engagement. Para além de estarem muito cansadas com a atividade que têm revelam-na como uma atitude motivante e motivadora. 83 por cento têm elevados níveis de engagement, estão incluídos naquilo que fazem, gostam do que fazem, mas têm níveis de cansaço muito grandes. Há recortes interessantes no estudo: as pessoas que trabalham por turnos estão muito mais cansadas que os outros. O horário noturno não está acautelado como deveria estar. Há uma redução drástica no número de trabalhadores ainda que durante a noite se mantenha o número de idosos. Verifica-se nos trabalhadores níveis preocupantes de ansiedades crescentes e medos emergentes como se estuda em psicologia.”

Ricardo Pocinho adianta que a formação profissional dos inquiridos ajuda a diminuir os índices de burnout, que no caso de auxiliares e ajudantes atinge os 87%, de acordo com um outro estudo realizado há dois anos. O estudo revela também que 80,5% dos inquiridos considera o seu salário injusto, embora a esmagadora maioria (95,3%) refira estar satisfeito com as suas funções profissionais.

Cerca de uma centena dos trabalhadores respondeu ao inquérito do estudo já depois de declarada a pandemia da covid-19 e, segundo Ricardo Pocinho, "não houve alterações significativas". "A pandemia agora serve de desculpa para muita coisa, mas antes as organizações sociais já tinham elevados problemas", salientou.

O estudo da ANGES, sediada em Coimbra, teve início em setembro de 2019. O coordenador Ricardo Pocinho pretende alargar o estudo a todo o país. “Sobre este estudo falamos com a ministra do Trabalho e da Solidariedade no dia 28 de agosto dando-lhe nota do resultado do estudo e, a pedido do próprio, reunimos também com o bastonário da Ordem dos Psicólogos. A ideia é que durante este mês de outubro se estenda a todo o país. Resultou desse encontro a ideia de ser o próprio Ministério a dar um contributo maior naquilo que é a nossa grande necessidade que é a recolha de dados. O tratamento está assegurado pela nossa equipa. Na recolha temos alguma dificuldade em ter contacto com todo o território. No estudo há uma fase de questionário e outra de entrevista. Precisamos de recursos humanos ou retribuição monetária que nos permita contratar durante alguns meses um conjunto de bolseiros, parceiros, colaboradores que possam ajudar nas entrevistas. E aqui a Ordem dos Psicólogos também pode dar uma grande ajuda. O problema está encontrado, agora temos que encontrar formas de o mitigar e resolver.”

O estudo da ANGES aponta para a deterioração da saúde mental e física dos diretores técnicos e técnicos das organizações sociais... O alargamento a todo o país vai reforçar a ideia de que os recursos humanos nas IPSS são escassos, como explicita Ricardo Pocinho.

“Tem que haver reforço das equipas técnicas. Nós hoje temos instituições que têm dois técnicos e 60 ajudantes. Pessoas com baixa escolaridade, com pouco prática profissional para o que é exigido. Partimos do princípio de que, com alguma experiência e rotina, todos somos capazes de lidar com os idosos em lar. O sector revela uma grande ausência de recursos humanos, sobretudo de técnicos, que contribuam para aquilo que é o desenho da estratégia da instituição. Normalmente a estratégia é de reação para resolver os problemas emergentes de cada dia. O diretor técnico acaba por ter uma função de bombeiro que resolve problemas correntes. Por exemplo, não há, no país todos os dias, instituição nenhuma onde não esteja a faltar alguém por incapacidade para o trabalho. É fundamental a existência de mais recursos humanos a todos os níveis. Depois, tem que se repensar a tipologia de respostas sociais.  Agora o que temos em quase todas as instituições é uma mescla de respostas. As famílias, naturalmente, querem estar perto para os ir visitar, revelando até um certo egoísmo. Nós não podemos ter instituições como as que temos hoje em que estão misturadas pessoas com imobilidade física, com outras com graus de demência, outras acamadas, sem ajuda de psicólogos, enfermeiros especializados, médicos...têm profissionais de banda larga que fazem tudo para todos. Isto não serve a ninguém. Em Portugal 80 por cento dos idosos institucionalizados têm algum tipo de dependência. Há um rácio de oito idosos para cada trabalhador, de forem dependentes passam a ser cinco, mas é difícil de ser cumprido porque os funcionários não têm nenhuma preparação para lidar com dependências.”

 

Data de introdução: 2020-10-08



















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