HENRIQUE RODRIGUES

SOLIDARIEDADE SOCIAL – O Nosso compromisso

1 - Roubo o título desta crónica a um livrinho, publicado sob a égide do XIX Governo Constitucional, que foi chefiado por Pedro Passos Coelho, livrinho que contém o texto do Compromisso de Cooperação para o Sector Social e Solidário para o biénio 2015-2016 – faz agora 10 anos – e que igualmente contém o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 172-A/2014, de 14 de Novembro, diploma este último da responsabilidade do referido XIX Governo.

Vou buscar estes textos de há 10 anos, mas não por qualquer saudade desse tempo: foi também o período em que a nossa soberania esteve limitada sob o comando da troika, num controlo férreo sobre as funções sociais do Estado, traduzido, entre outas medidas, nos cortes dos salários e das pensões que marcaram tão negativamente esse período da nossa história recente.

A razão por que me apropriei desse segmento de frase foi por entender que ela resume bem essa singular relação entre os sucessivos Governos e as Organizações representativas das Instituições - e também destas -, cujo desenho configura o modelo português de protecção social, que atribui às Instituições Particulares de Solidariedade Social, com financiamento público, a competência para a prestação dos cuidados pessoais de que carecem os nossos concidadãos mais desfavorecidos ou fragilizados.

“O Nosso Compromisso” foi como o Governo de então designou o conjunto de vinculações recíprocas que corporizam esse documento.

E tal designação é mais intensa do que a mera referência a um “Compromisso”.

Com efeito, a palavra “Compromisso”, assim isoladamente escrita, tem como referente um papel, um documento formal, contendo um conjunto de cláusulas.

Ma a aposição do pronome possessivo “nosso” confere ao dito referente uma outra profundidade ou dimensão: representa uma vontade sincera de apropriação por quem o enuncia das obrigações constantes do “Compromisso”.

O Governo que designa o Compromisso de Cooperação para 2015-2016 como o “seu” Compromisso pretende dizer-nos que leva a sério os compromissos que contraiu.

Significa que tem vontade de os cumprir.

A realidade confirmou essa vontade.

Sem que tal represente uma concordância com a generalidade das políticas públicas prosseguidas por esse Governo, o certo é que a cooperação a que se comprometeu com o Sector Social Solidário teve um papel decisivo na preservação da coesão social e no esbatimento dos efeitos devastadores que a crise financeira de 2009-2015 provocou no bem estar das famílias.

2 – Foi finalmente assinado, há dias – em 18 de Março, mais precisamente -, o Compromisso de Cooperação para o Sector Social e Solidário para o Biénio 2025-2026, herdeiro da linhagem do Compromisso de 2015-2016 e de todos os Compromissos e Protocolos de Cooperação pretéritos e intercalares.

E herdeiro do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, cuja primeira versão data de 1996, revista em 2021, passados que foram 25 anos sobre a celebração daquela primeira versão.

Todas as IPSS já conhecem o seu teor e tiveram ocasião de expor as suas dúvidas e de elencar as suas reservas.

Não me vou deter no teor das Cláusulas deste novo Compromisso de Cooperação, não desconhecendo que, em qualquer processo negocial, há sempre dois lados da mesa, sentando-se sempre uma das Partes negociadoras de um lado da mesa, e sentando-se a outra Parte do lado oposto, numa coreografia assinalando que são diversos e contraditórios, em regra, os interesses de cada uma das partes e de cada um dos actores.

Mas há dois aspectos – como direi? – extrínsecos à lógica do clausulado, que merecem um olhar mais detido.

Ambos têm que ver com uma ideia matricial do Pacto de Cooperação, que é a de estipular como critério de financiamento público a definição de uma percentagem dos custos reais de cada uma das respostas sociais.

Ora, a Cláusula VII do Compromisso de Cooperação para 2025-2026 – designada justamente “Convergência com o Pacto de Cooperação” - assume expressamente essa vinculação do Compromisso de Cooperação aos princípios do Pacto, assumindo implicitamente que em cada ano posterior a 2025 continuará o processo de convergência com os critérios de financiamento estipulados no mesmo Pacto e cumprindo finalmente uma promessa que vinha sendo adiada pelos Governos desde 2021.

O outro aspecto novo a referir tem justamente que ver com a exigência de determinação conjunta dos valores do custo médio real por utente em cada resposta social como pressuposto da aludida convergência com o Pacto de Cooperação.

É certo que o Compromisso de Cooperação para 2025-2026 só estipula o valor do custo como critério de financiamento no que respeita à resposta social ERPI, referindo, na Cláusula XIX, 1, que “O custo médio real da resposta social ERPI definido pelo grupo de trabalho, no ano de 2025, é de 1.619,15€ por utente/mês, sendo o mesmo reavaliado anualmente.”

Trata-se de um avanço ainda incipiente; mas já foi o bastante para uniformizar esse valor nos outros locais do Compromisso onde se definia como critério de financiamento um valor de custo em ERPI que constituía uma ficção administrativa.

Com efeito, ao aceitar a realidade do custo efectivo de um utente de ERPI em 1.619,15€, o Governo não podia deixar de considerar esse custo como valor de referência, não só na referida Cláusula XIX, 1, tendo que considerar esse mesmo valor- agora definido como custo real – como valor de referência nas Cláusulas relativas à colocação de utentes em ERPI pela Segurança Social – o que sucede na Cláusula XXIII, 1., a. , relativa
à Reserva de Vagas para a Segurança Social, e na mesma Cláusula XXIII, 1., k. iii, relativa às vagas não convencionadas.

Com efeito, o valor de referência na reserva de vagas para a Segurança Social que constava do Compromisso de Cooperação para 2023-2024 era de 1.096,49€ por utente; e o valor de referência para as vagas extra acordo era de 752,55€ (embora, neste segundo caso, acrescesse a comparticipação do utente).

 

3 – Perdoem-me os meus leitores este excurso pela aridez das contas e dos números; mas tal era mister para chegar ao meu ponto: uma clara virtude do Compromisso de Cooperação para 2025-2026 é a de evidenciar, como o Governo implicitamente confirma, que, relativamente às vagas em ERPI para colocação pela Segurança Social, parte significativa dos custos por utente têm sido desde há vários anos, financiados pelas Instituições, em substituição da Segurança Social.

Trata-se de uma diferença de centenas de euros, por utente e por mês!

Só falta expandir este exemplo das ERPI – e divulgar os custos das demais respostas sociais.

Que são quase todas!

 

Henrique Rodrigues – Presidente  do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2025-04-11



















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