1 - O Verão é, nos dias de hoje, muito curto.
Quando eu era novo, chegado o S. João, que é quando mais ou menos começa oficialmente a estação, já tinha gozado cerca de 15 dias de férias grandes – as férias de Verão, que, para quem andava na escola ou no liceu, começavam logo a seguir ao 10 de Junho, Dia de Portugal, hoje também de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Seguia-se Julho, distribuído por estadias em casas de familiares, intercaladas por regressos à casa onde morávamos, em Ermesinde, deslocando-se a família nuclear, no mês de Agosto, para a praia, na Foz do Douro ou em Espinho.
Setembro era o mês do repouso, antes do início do novo ano escolar, já Outubro dentro, e era passado na aldeia: metade na aldeia materna, outra metade na paterna.
Eram, na verdade, férias grandes: na duração e na variedade.
Às férias grandes acrescentavam-se as férias pequenas: 15 dias pelo Natal, outros 15 na Páscoa – o que dava um total de 4 meses de férias por ano.
Claro que falo das minhas férias, de estudante na escola ou no liceu.
Nessa idade olhamos pouco à volta – e não dávamos conta de que muita gente não tinha férias nenhumas; nem emprego, nem salário.
Nem liberdade.
Gozar férias era um privilégio num país desigual, pobre e injusto.
Deve-se ao 25 de Abril a alteração profunda e generosa deste estado de coisas, com a progressão dos direitos sociais, inscritos na Constituição como direitos fundamentais – entre eles o direito dos trabalhadores a férias remuneradas e a um subsídio de férias.
E, com a restituição da liberdade, a mobilidade, que nos permite ir passar férias para onde quisermos, em Portugal ou em outras partes.
Nem sempre foi assim – e cabe-nos velar para que assim continue, num país aberto: aos nacionais e aos naturais de outros países.
2 - Hoje, quando corre bem, as férias de Verão reduzem-se à primeira quinzena de Agosto.
Não é só comigo que o tempo parece correr hoje mais depressa (que digo eu, corre mesmo …)
Tem-me principalmente faltado o remate das Férias, no fim de Setembro, nas faldas do Montemuro, no hoje chamado Douro Verde.
O tempo não dá para tudo; o tempo não dá para nada!
Fica - e resta a nostalgia – a lembrança de quando o tempo corria devagar, e esse vagar permitia encerrar um ano e começar um novo com o apaziguamento do corpo e do espírito conferido pelos percursos desde as portas do Montemuro até Porto Antigo, no rio Douro, entremeados por banhos no Bestança, Rio que rasga o concelho de Cinfães, do alto da Serra até às margens do Douro.
Ainda por lá andam pedaços da minha alma.
Mas as coisas, principalmente as boas, não duram muito tempo.
(Recordo dois versos de um soneto que publiquei vai para 50 anos, em que já então interrogava “Porque não usas senão coisas precárias,/iguais à tua vida;/e, por tão breves, tuas, por tão frágeis? “
O País não parece o mesmo, o sentido de urgência parece ter tomado conta dos hábitos, dos procedimentos, das rotinas, apressando-nos para tarefas muitas vezes inúteis e deixando pouco tempo para o passarmos connosco.
3 – Regresso ao Porto, numa interrupção breve das férias de Agosto, e não posso deixar de sentir o impacto visual dos retratos de candidatos autárquicos que discutem a vitória das eleições de Outubro próximo.
Não é por falta de opção que os portuenses hesitarão na escolha.
Há candidatos para todos os gostos.
Mas por vezes fica-se por perceber se quem se expõe à escolha dos cidadãos serão políticos ou estrelas de televisão.
Está bem que a gente identifique e conheça melhor aqueles em quem vai votar para a nossa representação política, seja a nível nacional, seja a nível local.
Mas a coincidência entre comentadores de televisão e candidatos a eleições com possibilidade de vitória é motivo de reflexão.
É que o comentariado permite-nos conhecer o que os comentadores pensam dos actos dos outros – dos que são objecto do comentário.
Mas não nos esclarecem do que pensam sobre o governo da nossa cidade – que é o que nos importa.
Não deixa de ser estranho que as Câmaras de Lisboa e do Porto tenham como candidatos fortes dois comentadores do mais antigo programa de comentário político, a Circulatura do Quadrado – em que já António Costa tinha feito o tirocínio.
Pedro Duarte é a mais recente aquisição da CNN para o painel de comentadores do programa – e é candidato à Câmara do Porto pela AD.
Alexandra Leitão é candidata pela Esquerda à Câmara de Lisboa – e integra o mesmo painel de comentadores.
Trata-se de dois bons candidatos, com provas dadas no âmbito dos Governos a que ambos pertenceram.
Mas fica a impressão de que a luta será desigual – entre quem tem visibilidade mais alargada através da televisão e quem apenas pode contar com a dimensão mais exígua do contacto porta-a-porta ou das sessões de esclarecimento.
Esta identidade entre candidatos e estrelas televisivas estende-se a outras lutas – desde logo, às presidenciais –, passadas e futuras.
Marcelo Rebelo de Sousa estava desde tempos imemoriais no comentariado político na televisão quando foi eleito Presidente da República; e um dos mais fortes candidatos às presidenciais de janeiro próximo, Luís Marques Mendes, segue-lhe o percurso e o procedimento.
Também presença frequente no comentariado na CNN, o ainda Presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, cogita a candidatura à Presidência da República, com a singularidade adicional de, se for eleito, termos mais um Presidente da República com convicções monárquicas – o que parece uma contradição nos termos.
4 – Nem sempre foi assim …
A minha idade permite-me perceber o que foi o itinerário da representação política posterior ao 25 de Abril, de então até hoje – assente, então como agora, disso não há dúvidas, no voto livre dos cidadãos.
Nos anos imediatamente a seguir à Revolução, salvo raras excepções, a representação política era conferida maioritariamente a cidadãos que, durante a ditadura, se tinham assinalado pela intervenção política dissociada do regime político então vigente e por oposição a ele.
Em regra, tinham um passado – de que se honravam.
E era esse passado o critério de definição do voto de cada eleitor.
Já aqui, nestas crónicas, tive ocasião de recordar o privilégio que tive de assistir a várias sessões da Assembleia Constituinte, onde tinha assento o escol da resistência à ditadura.
Hoje, já quase ninguém resiste desses tempos primordiais.
O critério de escolha é outro.
O debate faz-se nas televisões e nas redes sociais, cada vez mais nestas do que naquelas.
A reconfiguração e fragmentação do quadro parlamentar decorrente das últimas legislativas é tributária dessa mudança de critério de escolha
Mas trata.se de mudança para pior.
Ninguém conhece a maioria dos deputados, nem o que fizeram em bem dos outros.
Como escreveu Bernardim Ribeiro, na “Menina e Moça”, “Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.”
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
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