Cristina Caetano é cocoordenadora da Comissão Nacional de Coordenação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), em representação do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, cargo que desempenha a par de Abel Paiva, em representação do Ministério da Saúde (cuja entrevista será publicada na próxima edição).
Nesta entrevista ao SOLIDARIEDADE, Cristina Caetano dá conta do projeto-piloto que arrancou a 1 de julho no sentido de levar os cuidados continuados integrados aos domicílios, sejam eles casas particulares, ERPI ou Lares residenciais.
O envelhecimento da população é uma preocupação e a RNCCI está a abraçar novas abordagens no sentido de “forma a atingir uma maior cobertura populacional e a sustentabilidade do sistema”.
É conhecida a deficiente cobertura da rede e são conhecidas as longas listas de espera, pelo que a nova abordagem passa por levar os cuidados continuados integrados ao domicílio. Uma abordagem que tem nas IPSS um aliado essencial.
SOLIDARIEDADE - No sentido de levar os CCI aos domicílios, sejam particulares ou em IPSS, é criado o projeto-piloto a nível das Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI), em seis Unidades Locais de Saúde (ULS), durante um período de nove meses. Quais as expectativas da Comissão Coordenadora da RNCCI?
CRISTINA CAETANO - O exponencial envelhecimento da população tem sido motivo de preocupação em vários países europeus que, ao tomar medidas para fazer frente ao desafio do envelhecimento, perceberam que os cuidados no domicílio tinham de ser a aposta, de forma a atingir uma maior cobertura populacional e a sustentabilidade do sistema. As pressões do sistema de saúde e social causadas pelo envelhecimento da população evidenciam que, no seu âmbito, a RNCCI também necessita de evoluir na sua organização para responder a esta necessidade, privilegiando os cuidados domiciliários, prestados através das Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI). Assim, a criação do projeto-piloto visa melhorar a integração dos cuidados continuados, através da promoção dos cuidados domiciliários adequados, acessíveis e personalizados. A eficácia dos cuidados no domicílio integra as dimensões da saúde e do apoio social, sendo condição necessária a articulação entre as ECCI e o Serviço de Apoio Domiciliário (SAD), em complementaridade, com base numa abordagem global das necessidades dos utentes e respetivos cuidadores informais. Apesar do Decreto-Lei n.º 101/2006, de 6 de junho, na sua redação atual, estar prevista esta articulação, o facto é que nunca foi implementada, sem prejuízo de algumas experiências positivas, mas sem abrangência nacional. A aposta na integração dos cuidados continuados domiciliários, que respondam às reais necessidades de quem usufrui, traduz-se em ganhos significativos para as pessoas e as suas famílias: Maior conforto e bem-estar, ao permitir que o utente permaneça no seu lar; Redução do risco de institucionalização precoce; Promoção da participação ativa dos utentes e cuidadores no processo de cuidados; Respostas mais céleres e mais adequadas às necessidades de cada situação; Aumento do nível de satisfação dos utentes e cuidadores; Diminuição do acesso ao serviço de urgências. Com este Projeto-piloto pretende-se testar formas de funcionar e articular, melhorar os cuidados prestados a este nível, a articulação institucional, a acessibilidade e os cuidados à população, e estender este nível de cuidados a nível nacional em 2026.
Já arrancou o processo de criação das ECCI?
Sim, o processo de criação das ECCI já arrancou no dia 1 de julho.
E como vai ser a sua implementação, faseada ou em simultâneo nas seis ULS?
A implementação do projeto-piloto está a ser faseada nas seis Unidades Locais de Saúde (ULS) selecionadas. Este processo permitirá uma avaliação contínua e ajustes conforme necessário, garantindo que as melhores práticas sejam adotadas em todas as ULS.
Já se conhecem as ULS selecionadas? E quais os critérios de seleção?
As ULS selecionadas foram: São João, Santo António, Matosinhos, Coimbra, Santa Maria e Algarve. Procurou-se selecionar as ULS com maior pressão populacional e com mais complexidades, de forma a serem ultrapassadas as dificuldades e aproveitando as soluções na disseminação do projeto-piloto a nível nacional. O Algarve apresenta uma realidade diferente das restantes, com território urbano e serra, o que também será importante testar. A adesão da ULS foi sempre através de convite.
Nove meses é um tempo suficiente para avaliar algo novo e, de certa forma, complexo?
O projeto-piloto estava previsto para iniciar em abril e terminar em dezembro de 2025, mas só iniciou a 1 de julho. Mantém-se a data final e mais próximo da mesma avaliar-se-á a necessidade de prolongar. Durante o acompanhamento deste período serão realizados ajustes e melhorias contínuas. Este tempo permitirá uma análise detalhada dos resultados e a identificação de áreas de melhoria. Esta resposta é de extrema importância para o país, pelo que desejamos que seja disseminada tão breve quanto possível.
O que muda com o novo Modelo de Referenciação e o tornará mais eficiente?
Existem algumas alterações, mas mantém-se a ‘porta’ de entrada na RNCCI, prevista no Decreto-Lei n.º 101/2006 de 6 de junho, que a criou, ou seja, as referenciações chegam a partir das unidades hospitalares ou dos cuidados de saúde primários, em função do local onde o utente se encontra. O que altera com este diploma é que deixam de existir as equipas de gestão de altas, passando as Equipas de Coordenação Local (ECL) a acumular essas funções; para verificação dos critérios de referenciação, a ECL utiliza o sistema experimental de referenciação, que integra um algoritmo de ajuda na tomada de decisões da ECL para a tipologia adequada. Este sistema está a ser testado para se constituir como modelo de referenciação, o que implicará alterações na plataforma informática que está em uso na RNCCI; promove a articulação entre as ECCI e os serviços hospitalares; os residentes em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), Residência de Autonomização e Inclusão (RAI) e Lares Residenciais (LR) são os utentes referenciáveis para as ECCI; as ECCI têm um horário alargado de funcionamento; o processo de referenciação pode ser solicitado à ECL pelos SAD ou pelas ERPI, LR e RAI, da área geográfica da ULS; sempre que o utente disponha de SAD, o gestor desta resposta é envolvido na definição do plano individual de cuidados e reavaliações subsequentes. O novo Modelo de Referenciação visa tornar o processo mais eficiente, reduzindo o tempo de espera e melhorando a coordenação entre as diferentes entidades envolvidas. A colaboração com as IPSS será essencial para o sucesso deste modelo.
Como será a articulação com as IPSS no terreno?
A articulação com as IPSS no terreno será fundamental para garantir que os cuidados são prestados de forma eficiente e eficaz. As IPSS têm um conhecimento profundo das necessidades locais e podem fornecer suporte diferenciado aos utentes e ECCI. A figura do ‘gestor do SAD’ como interlocutor desta articulação permitirá uma articulação de proximidade, com envolvência do mesmo na definição do plano individual de cuidados e reavaliações subsequentes. Tratando-se de um projeto-piloto, existem ainda fatores que são necessários avaliar e a resposta será encontrada no exercício da prestação destes cuidados. Deixamos a nota que as instituições disponíveis para aderir ao Projeto têm de responder a um pequeno inquérito que receberam. A fim de se monitorizar a resposta, existe uma ficha de ligação, a ser preenchida pelo SAD, por cada utente avaliado e o tratamento destes dados irá permitir encontrar resultados para avaliação do projeto-piloto. No decorrer da prestação dos cuidados, a satisfação do utente/família será avaliada pelo Instituto da Segurança Social (ISS). Os meios usuais de comunicação, como telemóvel/telefone e email, serão igualmente privilegiados. O endereço ISS-ProjetoPiloto-RNCCI-SAD@seg-social.pt é o endereço de comunicação com a Segurança Social, no âmbito deste projeto. O desenvolvimento do trabalho articulado contínuo irá potenciar uma comunicação de proximidade e melhores resultados na prestação de cuidados domiciliários.
O que espera a RNCCI das instituições sociais?
A RNCCI espera que as instituições sociais colaborem ativamente na implementação do projeto, através da prestação de cuidados de apoio social, sendo essencial para o sucesso do projeto. O importante é que o SAD, tal como a ECCI, responda às necessidades das pessoas, com flexibilidade e adequação à situação de cada um. A carteira de serviços dos SAD apresenta variações significativas por instituição, em termos de número de dias por semana, número de vezes por dia e tempo despendido em cada deslocação, bem como na diversidade de serviços oferecidos. O objetivo é identificar as razões que levam, ou não, os utentes/famílias a aderir ao SAD, tendo em conta as suas necessidades, e o que contratualizam quando aderem. Estes resultados são fundamentais para a evolução da resposta dos SAD, de forma a ser ajustada às necessidades de cada território.
Qual a importância de envolver as IPSS e as suas estruturas representativas?
As IPSS desempenham um papel fundamental na implementação do projeto-piloto da RNCCI para garantir cuidados efetivos no domicílio, por forma a garantir que as necessidades dos utentes são atendidas de forma adequada. As instituições do Sector Social dispõem já de uma rede de SAD a nível nacional de extremo valor, desempenhando um papel vital na prestação de cuidados e no apoio às famílias no domicílio, dispondo de uma grande experiência nesta área e de proximidade à população. Na área de implementação do projeto-piloto, existem 306 acordos de cooperação em SAD, com mais de 9.600 lugares, sendo que a capacidade dos equipamentos ascende aos 12.700 lugares. Importa notar que muitas das pessoas que já utilizam o SAD são também utilizadores da ECCI. Neste sentido, a evolução dos SAD impõe-se para ir ao encontro das necessidades individuais, com serviços diferenciados e acesso facilitado, em complementaridade com outros recursos da comunidade, sempre que se justifique, por forma a responder às situações de dependência no autocuidado e ao envelhecimento da população portuguesa.
A criação das ECCI implica um grande número de enfermeiros, a avaliar pela quantidade crescente de idosos em casa ou institucionalizados a necessitar de cuidados continuados. Quando tanto se fala de falta de profissionais de saúde no SNS, há enfermeiros disponíveis suficientes, mesmo que apenas para o projeto-piloto? A mesma problemática, escassez de mão de obra, também se coloca na área social.
Para combater a escassez de mão de obra, é importante adotar uma abordagem multifacetada que inclua várias estratégias, que ajude a mitigar os desafios associados a esta condição. O diploma que cria o projeto-piloto estabelece incentivos remuneratórios para captar e fixar enfermeiros nesta área, que se acredita ser uma medida de extrema importância para reforçar estas equipas. A utilização de ferramentas digitais a introduzir poderão constituir um grande potencial no apoio dos cuidados à distância e igualmente colmatar falta de recursos. O projeto-piloto inclui o fornecimento de equipamento tecnológico para todas as ECCI. Está ainda previsto as ULS poderem contratualizar com entidades externas, quando se verificar falta de meios para desenvolver a implementação dos cuidados de saúde do plano de cuidados multiprofissional. Os SAD que já prestam cuidados de saúde poderão ser avaliados neste âmbito. Potenciar o crescimento da atribuição de Estatuto do Cuidador Informal é outra medida para garantir aos cuidadores informais o suporte necessário para prestar cuidados de qualidade. A formação e a valorização remuneratória constituem-se como outro fator determinante para fixar profissionais na prestação de cuidados, na área social. Todas as medidas devem ser incorporadas na estratégia de cuidados de longa-duração (‘long term care’), alinhando-se com as diretrizes nacionais estabelecidas para esta área. Este alinhamento é essencial para garantir uma abordagem coesa e eficaz na prestação de cuidados e na promoção da qualidade de vida e do bem-estar dos idosos.
Pedro Vasco Oliveira (texto)
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