JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

DIA MUNDIAL DOS POBRES: Porque parece impossível acabar com a pobreza?

 A 16 de novembro celebra-se mais um dia mundial que recorda a obrigação de erradicar a pobreza, uma celebração que de bom grado dispensaríamos. O Dia Mundial dos Pobres é uma celebração católica instituída pelo Papa Francisco em 2016. Comemora-se no 33ª domingo do Tempo Comum o que, este ano, calha no dia 16 de novembro.

Ainda há cerca de um mês, no dia 17 de outubro, se celebrou o dia mundial para a erradicação da pobreza. Desde 1992, quando foi proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o desenvolvimento económico dos países mais atrasados permitiu tirar da situação de pobreza extrema centenas de milhões de pessoas. Esse é, sem dúvida, o lado bom do processo que por vezes se descreve como globalização.

Contudo, a partir de 2014, o ritmo de redução da pobreza extrema desacelerou, a situação agravou-se substancialmente com a pandemia e só mais recentemente verificamos de novo ganhos nesta matéria a nível global.

Nos países de capitalismo avançado, como o nosso, o problema não é a tanto a pobreza extrema tal como se define para a economia global, o problema é a persistência de um número significativo de pessoas pobres numa economia que produz mais que o suficiente para que tais situações pudessem ser evitadas.

Se tomarmos como definição de pobreza o critério convencional das pessoas que vivem com rendimentos inferiores a 60% do rendimento mediano nacional teremos em Portugal cerca de 2 milhões de pessoas em risco de pobreza e, se considerarmos que privação material severa é dispor de menos de 40% do rendimento mediano nacional, Portugal contará com meio milhão de pessoas nessa situação.

Trata-se de uma moldura a todos os títulos preocupante, mas que, ainda assim, só é possível depois das transferências sociais realizadas pelas políticas públicas. Na ausência das transferências sociais a situação seria catastrófica com mais de 40% da população a viver em risco de pobreza.

Contudo, se a situação atual vista numa perspetiva estática é, em si mesma, suficientemente grave, há dois aspetos adicionais que deveriam preocupar-nos talvez ainda mais.

O primeiro é que os progressos nesta matéria têm sido praticamente nulos nos últimos anos e, mesmo tomando uma perspetiva mais ampla, desde o início do milénio, por exemplo, os avanços são pouco significativos.

O segundo, quiçá o mais preocupante, é que a situação de pobreza pode mesmo atingir aqueles que estão integrados na força de trabalho formal.

Não se pense que Portugal está isolado neste drama de ter um emprego não ser garantia de fuga à pobreza. Segundo o Eurostat 8,2% da população empregada da União Europeia está em risco de pobreza, em Portugal o número equivalente é de 9,2%.

O combate à pobreza em sede de políticas públicas é naturalmente algo que devemos considerar positivo.

No entanto, as políticas públicas de combate à pobreza podem ter um lado perverso se as mesmas forem acompanhadas de uma atitude de vista grossa, quando não complacência ou mesmo derrotismo, em relação ao problema correlacionado e, porventura, mais grave, que é o crescimento das desigualdades.

A verdade é que as sociedades de capitalismo avançado são cada vez mais desiguais. A distribuição da riqueza, do rendimento e das oportunidades é cada vez mais desequilibrada.

Usando um indicador macro como o coeficiente de Gini (um valor entre zero e um, com valores mais altos indicando maior desigualdade) o que verificamos é um progresso muito modesto em Portugal, onde no início do  milénio o indicador andava pelos 38% e nos anos mais recentes tem oscilado em torno dos 35%.

Mais uma vez não estamos sós nessa tragédia – trata-se de uma tendência a nível global, aliás mais pronunciada no mundo anglo-saxónico. Por exemplo, nos Estados Unidos a desigualdade não tem parado de crescer desde os anos 70. Por volta de 1990 o coeficiente de Gini andava perto dos 43%, atualmente está próximo dos 50%.

Naturalmente que algumas causas da desigualdade em Portugal são de natureza estrutural e, como tal, eventuais progressos nesta matéria serão de manifestação lenta.

Em parte a desigualdade resulta do deficit de qualificações. As pessoas com formação superior conseguem rendimentos superiores aos que ficaram por graus de ensino mais baixos. Talvez por isso muitas vezes se tenha olhado para a educação e para a generalização do ensino superior como uma espécie de pílula mágica para o problema da desigualdade.

Infelizmente sabemos hoje a generalização do ensino superior não resolveu o problema de fundo da desigualdade. O que verificamos é que pessoas com formação superior acabam, em muitos casos, por auferir salários muito baixos, quer nas empresas quer no Estado e, por isso, muitas optam pela emigração para locais onde os salários são mais apelativos.

Outro fator que alimenta a desigualdade é a concentração da economia em setores de baixa produtividade e onde o potencial de salários elevados é mais baixo.

Também aqui, infelizmente, a evolução dos últimos não foi de todo positiva. Grande parte do crescimento da economia e do emprego em Portugal tem acontecido no turismo e em atividades correlacionadas, em geral, setores de baixa produtividade onde os salários são tendencialmente baixos.

Finalmente não podemos ignorar um fator que é difícil de transparecer em estatísticas formais mas que é decisivo – a desigualdade nas oportunidades.  Claro que a desigualdade nas oportunidades está em relação com a desigualdade na distribuição da riqueza e essa podemos abordá-la com estatísticas formais que nos dizem que está a crescer nos países de capitalismo avançado. Pessoas com mais património tendem a ter uma rede de relações mais densa, com pessoas com capacidade decisão ao nível das empresas e do Estado e, como tal, assegurar para os seus familiares melhores oportunidades de carreira e progressão social.

Em Portugal, a redução das desigualdades e do risco de pobreza pela via das transferências sociais pode estar no limite. Sendo assim, só um progresso significativo no lado dos salários nominais pode conseguir ganhos sustentados nesta matéria nos anos que aí vêm.

É verdade que desde 2015 Portugal tem tido uma política positiva de aumento do salário mínimo. Infelizmente, contrariamente ao que se pensava quando o ciclo começou, a capacidade da subida do salário mínimo para arrastar a subida dos salários em geral tem sido pouco manifesta. As empresas resistem até onde podem em aumentar os salários e corremos o risco de começar a ter o salário mínimo demasiado próximo do salário mediano com consequências que podem ser perversas ao nível da proteção dos mais frágeis.

Claro que as políticas públicas não podem fixar os salários que as empresas pretendem pagar.

Isso não significa, contudo, que o potencial das políticas públicas para influenciar a disponibilidade das empresas para aumentar salários seja nula.

É possível pensar em estímulos de natureza fiscal (incluindo as contribuições para a segurança social) para as empresas que subam os salários pelo menos ao nível da inflação e dos ganhos de produtividade.

Por exemplo, a descida nos impostos sobre os lucros corporativos deveria estar indexada
à disponibilidade para aumentar os salários nominais.

Aparentemente não é este o caminho que o atual governo pretende seguir, preferindo uma via pseudoliberal de descida não condicionada dos impostos.

Infelizmente por este caminho podemos deparar-nos a prazo com duas paredes intransponíveis – por um lado a incapacidade para sustentar a redução da desigualdade com transferências sociais, por outro, o risco de futuros aumentos do salário mínimo serem perigosos em termos de aproximação excessiva do salário mediano.

Se queremos que a comemoração do Dia dos Pobres seja dedicado à erradicação da pobreza continua a valer a pena precisamos de políticas públicas diferentes.

 

Data de introdução: 2025-11-12



















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