CLARA MARQUES MENDES, SECRETÁRIA DE ESTADO DA AÇÃO SOCIAL E DA INCLUSÃO

No início de 2026 haverá acordo de cooperação do governo com o sector social

Clara Marques Mendes garante que a parte mais difícil do entendimento com as Organizações do Sector Social já foi conseguida há tempos. Está consensualizado que, todos os anos, será automaticamente aplicada uma fórmula base que determina a parte da comparticipação do Estado que anula o efeito financeiro que o aumento do salário mínimo e da inflação provoca. 
As negociações para atualização dos acordos de cooperação passarão a incidir sobre percentagem do aumento restante que servirá para o Estado cumprir o Pacto de Cooperação para a Solidariedade que estipula equidade na comparticipação das respostas sociais. 
A Secretária de Estado, Clara Marques Mendes, diz que o governo está empenhado em atingir os 50% até ao fim da legislatura. 

SOLIDARIEDADE – Qual é o ponto de situação das negociações entre o governo e o sector social para a atualização das comparticipações do Estado?
CLARA MARQUES MENDES - Quando nós tomámos posse, no XXIV governo, decidimos de imediato fazer um trabalho com o sector social que nunca tinha sido feito. Decidimos, em conjunto, encontrarmos o custo de cada resposta social para que pudéssemos perceber exatamente qual era a comparticipação do Estado. Isto porquê? Porque havia no passado, antes desta prática, dados que nunca tinham sido consensualizados.  No âmbito do Pacto de Solidariedade está acordado que a comparticipação do Estado, relativamente às respostas sociais, deve ser justa e equitativa. No sentido de o Estado chegar aos cinquenta por cento de comparticipação, à exceção das respostas da deficiência, faltava saber os custos reais das respostas. Isso levou a que nunca houvesse um verdadeiro entendimento daquilo que era a posição do Estado e a posição do sector social. Para dar exemplo, na ERPI o Estado dizia que comparticipava com 43% face ao custo da resposta e as instituições do sector social diziam que era 38%. Com este trabalho, que nós fizemos em conjunto, verificamos que era bem inferior, era 36%. Demos conta que havia quatro respostas que estavam numa situação mais deficitária e, portanto, decidimos fazer uma atualização de 3,5% em Centro de Dia, Apoio Domiciliário, Lar Residencial e ERPI. Ficou decidido que esses 3,5% consolidavam para os anos seguintes. Para as outras respostas sociais encontramos uma fórmula que anula o aumento do salário mínimo nacional e a inflação. É uma fórmula que ficou consensualizada e será o futuro das atualizações na sua base. Naturalmente, temos limitações orçamentais. Fomos fazendo maior aumento naquelas valências que estavam mais deficitárias. Foi por isso que em ERPI o aumento foi de 12% para ficar nos 40% de comparticipação por parte do Estado. E houve respostas, como foi o caso do Apoio Domiciliário, que com aquela atualização de 3,5% já ultrapassa os 50%. Agora estamos a analisar algumas respostas em que não tínhamos avaliado efetivamente o custo das mesmas porque estavam em alteração como é o caso das respostas residenciais das crianças e jovens em acolhimento residencial. Neste momento, estamos numa fase ainda de apuramento do custo real da resposta, face às exigências legais que existem, e estamos a aguardar o valor correto da inflação para podermos aplicar a fórmula. E há o aumento do salário mínimo para 920 euros.  Assim que os valores estiverem estabilizados nós faremos a atualização e vamos caminhar naturalmente para o objetivo dos 50%.

O que falta é o apoio extraordinário, acima dessa fórmula, para se fazer a aproximação aos 50%?
Exatamente. O que se pretende, de certa forma, é minimizar o impacto do aumento do salário mínimo e da inflação e em cima disso acrescentar a atualização para chegar à equidade. É o caminho que vamos continuar a fazer.

O objetivo é chegar aos 50% nesta legislatura?
Nós temos essa essa previsão. Já foi referido em reuniões que tivemos a Comissão Permanente do Sector Social e Solidário. Mas para além da paridade na comparticipação há outro aspeto que é muito positivo para as instituições que é a previsibilidade. No passado as atualizações eram feitas normalmente ou a meio do ano ou no final do ano, ou até a meio do ano e no final do ano, repartidas, com retroativos. Isto gerava muita instabilidade para as instituições porque, quando estão a preparar o seu orçamento, não sabem nem quando nem quanto vão receber de comparticipação. Nós, o ano passado, fizemos essa atualização em março. Este ano queremos ver se a fazemos já em fevereiro. Além disso há outra diferença: as instituições recebiam a comparticipação do Estado depois do dia 20, o dia em que assumem e ou têm imensos compromissos, designadamente com a própria Segurança Social. Fez-se a alteração e começamos a pagar as comparticipações ao dia 19.

Está convencida que até ao final do ano haverá acordo?
Sim. Final do ano ou o mais tardar em janeiro. Sabemos a fórmula de base, independentemente do valor do aumento de salário mínimo e do valor do da inflação e já estamos a analisar as outras matérias, no sentido de perceber quanto é que nós podemos aumentar sem essa parte.

Em entrevista à Rádio Renancença/Agência Ecclesia  o presidente da CNIS dava conta do descrédito em relação ao sucesso das negociações...
Eu confesso que não me foi manifestada essa preocupação. Compreendo que é o normal. Todas as instituições reconhecem, e a própria CNIS também, que foi dado um passo muito importante no acordo que fizemos no ano passado, quando também havia dúvidas.  Eu não vejo razões para preocupação. Eu sou otimista, mas realista. E por aquilo que temos de trabalho feito ao longo deste ano e meio não me parece que haja problemas para nós chegarmos a entendimento.

A importância do salário mínimo. Por um lado, é uma necessidade por outro sempre que aumenta as Instituições ficam ainda mais frágeis... 70 por cento dos custos das IPSS são salários.
A fórmula de base é objetiva e serve para dar estabilidade às instituições para saberem todos os anos qual é o mínimo com que contam. Isso não vai ser posto em causa nem por nós nem pelas organizações sociais. A fórmula vai neutralizar ou minimizar os impactos do aumento de salário mínimo e inflação todos os anos.  
 
Por outro lado, o salário mínimo não é suficiente para manter trabalhadores de qualidade no sector social... O recurso aos imigrantes tem sido providencial.
É uma realidade. Os salários mínimos nem sempre conseguem fazer com que as pessoas se fixem nos locais, mas isso é também uma das razões pelas quais nós, em conjunto, decidimos garantir sustentabilidade às instituições para que elas também possam ter melhores condições para pagar melhores salários. Nós estamos empenhados em ajudar a resolver a questão da sustentabilidade, como também em aumentar as fontes de financiamento do sector social. Por exemplo, é nossa intenção aumentar para 1,5% a consignação em IRS; outro aspeto é a questão da majoração do Apoio Domiciliário nas terras de baixa densidade populacional. Começamos já a pagar essa majoração. E há outro aspeto que, nós estamos convencidos, também vai ajudar muito no funcionamento e, de certa forma, aliviar o sector social, que é a revisão das regras para o licenciamento e para o funcionamento das respostas sociais. Nós verificamos, consoante as respostas, que há determinadas exigências que já não se compadecem com a realidade atual e há outras que, às vezes, nem têm muito racional. Há determinados aspetos que nós temos obrigação de, ouvindo as instituições, ouvindo os técnicos, ouvindo todos, percebermos aquilo que nós poderemos fazer para também melhorarmos a a situação das instituições. Nós não nos bastamos com a atualização da participação do Estado.

Metade, ou mais, das Instituições de Solidariedade Social apresentam resultados negativos no final do ano. E, recordo, as direções são voluntárias...  
Nós temos, e o próprio sector também, vindo a sinalizar a necessidade de mais formação e mais acompanhamento dos dirigentes das instituições. Atualmente, os dirigentes, que são voluntários, têm sempre suporte para todas as situações. As equipas técnicas estão bem preparadas. Quanto aos prejuízos sistemáticos das IPSS, de certa forma resultam muito do que foi a forma como o Estado trabalhou nestes últimos anos. As instituições têm muita capacidade de se reinventarem e de terem formas de gestão inovadoras.

A que se refere?
Ao projeto SAD+Saúde, por exemplo. É uma resposta que nós, governo, verificámos que muitas instituições já fazem. Nós verificamos que as respostas mais sólidas são as que vêm da comunidade, daquilo que se sente falta na comunidade e as instituições resolvem. O apoio domiciliário, como está desenhado, e como é prática habitual, de levar a refeição, fazer a higienização, não é suficiente para que as pessoas possam sentir-se seguras nas suas casas, possam viver com mais qualidade, possam ficar, de certa forma, protegidas do isolamento que é o drama nestas idades. As instituições começaram a oferecer muito mais serviços, a ir buscar as pessoas, a levá-las ao médico, a trabalhar par lhes dar mais convívio, atividades... Isto o Estado não comparticipa. São as famílias ou as próprias instituições que avançam com o serviço para a população, mas o Estado não comparticipa porque o Estado não tem a resposta desenhada dessa forma.  

É o que se pretende com o SAD+Saúde?
Foi por isso que nós desenhamos o projeto piloto SAD+Saúde para durar durante o próximo ano. No final faremos a avaliação e ele transforma-se em resposta tipificada. Sete dias por semana e vinte e quatro horas por dia, com recurso à possibilidade de ter uma forma de comunicar com a instituição e saber que não a pessoa não está sozinha. Esta resposta vai ser comparticipada pelo Estado. Nós vamos ter cinco projetos piloto e depois implantá-la por todo o país. Desde que nós falamos nesta iniciativa houve logo da parte das instituições uma grande abertura até para fazerem parte deste projeto piloto.
Nós também queremos ter respostas alternativas à institucionalização e, na verdade, nós falamos muitas vezes que queremos evitar a institucionalização ou que queremos retardar a institucionalização e que a institucionalização não pode ser o único recurso para as pessoas, mas o Estado tem feito pouco, para esse efeito. Estamos convencidos que este tipo de apoio domiciliário é o mais adequado nestes tempos.
Nós temos instituições que fazem trabalho notável, eu conheço muitas que trabalham no combate ao isolamento, que fazem trabalho notável com os jovens, promovendo a intergeracionalidade e portanto, o Estado é que na nossa opinião, tem que estar também mais presente. Eu costumo dizer que nós não inventamos nada, nós simplesmente tivemos vontade política de fazer acontecer aquilo que já muitas instituições fazem mas que não fazem com a comparticipação do Estado. E, portanto, o Estado tem que também assumir aqui a sua responsabilidade de impulsionar a inovação das respostas sociais.   

Julga que neste momento é possível colocar à mesma mesa, em pé de igualdade, os diferentes ministérios para proporcionar essas respostas integradas?
Sim. A Educação e a Saúde, no que diz respeito às respostas sociais, estão efetivamente muito presentes e parecia-me que a Saúde e a Segurança Social nem sempre conversavam. Ora, já começamos a trabalhar em conjunto. A primeira medida, depois do aumento do Complemento Solidário para Idosos ser anunciado, a primeira medida que tomamos aqui nesta Secretaria de Estado, foi a dos medicamentos gratuitos para os beneficiários de CSI, e foi com a Saúde.
A Saúde e a Segurança Social hoje estão muito conscientes da necessidade do seu envolvimento conjunto. Por exemplo, em julho, iniciou-se nos cuidados continuados a hospitalização domiciliária. Para as pessoas que não forem autónomas ou não tiverem retaguarda familiar nós fizemos um projeto, que está a decorrer com cinco experiências piloto, para a Segurança Social fazer a parte do apoio social. A equipa médica é fundamental nos tratamentos, mas depois há o acompanhamento. E aqui entra a Segurança Social. As duas áreas governativas perceberam que têm de caminhar lado a lado.
 
Mas a rede de cuidados continuados não é um bom exemplo, pois não?   
A Rede de Cuidados Continuados é uma resposta cara. Nós sabemos das dificuldades. Não foi sendo atualizada conforme devia. Fizemos esforço muito grande para uma atualização de 4,9% nos cuidados continuados de longa duração e reativámos o grupo de trabalho para reforçar o financiamento. Esse é o grande problema que nos obriga a dialogar ainda mais com a Saúde porque é comparticipada pelas duas áreas. Com franqueza, aquilo que eu vi, antes de estar no governo, era duas áreas que nem sequer conversavam. 

Os novos tempos exigem nova geração de políticas sociais. É por demais evidente na questão do envelhecimento. Há questões desafiantes para a ação social.
Nós temos que olhar para a questão do envelhecimento de duas formas. Primeiro, esta realidade demográfica coloca-nos desafios, felizmente, as pessoas vivem até mais tarde. Depois, a parte mais triste é que as pessoas vivem até mais tarde, mas nem sempre com qualidade de vida. Portanto, nós temos que pensar de uma forma estrutural:  temos que começar a trabalhar desde que nascemos para envelhecermos com saúde. Termos mais e melhores práticas em termos de cuidados, para garantirmos uma longevidade com qualidade. Por isso é que este governo se comprometeu, e tem no seu programa de governo, já tinha no anterior, a questão da longevidade. É uma medida estrutural para nós garantirmos que a nossa população vai envelhecer com qualidade. Começa a dar-se uma importância ao exercício físico, começa a perceber-se que é uma questão de saúde e não é apenas saúde física.
E depois temos que olhar para as estruturas que temos e capacitá-las. As instituições têm sido perfeitamente capazes de dar respostas, mas nós também temos que ajudar. Nós temos que ter respostas fora das instituições, com outros modelos, por exemplo com a habitação colaborativa.

Novas respostas sociais...
Novas respostas sociais que vão trabalhando mais a autonomia das pessoas. Esta questão de as pessoas estarem ou nas instituições ou nas suas casas mas sem que as estimulem, não tem relevância. Nós temos que pôr a academia, as universidades seniores a envolverem-se mais com as Instituições, com as ERPI’s, porque vão promover uma maior atividade das pessoas. Relativamente ao envelhecimento, nós temos que ser capazes de ser inovadores nas respostas que damos, estarmos preparados para esta nova realidade, a questão das demências precoces. Infelizmente hoje vivemos um grave problema de saúde mental que é transversal às várias idades. Nós temos tido muitos contactos com os coordenadores nacionais da saúde mental e demências para criar novas respostas e capacitarmos mais as instituições que estão a lidar com esta nova realidade. Temos cada vez mais problemas de saúde mental em jovens... E portanto, todos nós, sociedades, o Estado, as entidades, temos que nos preparar para lidar com esta realidade e ter outros tipos de respostas que garantam efetivamente mais qualidade de vida às pessoas e que não seja a institucionalização o último recurso.
 
Qual é a consideração que, de uma maneira geral, este Governo tem relativamente ao Sector Social Solidário?   
Eu vou lhe dizer aquilo que o senhor Primeiro-Ministro disse quando assinamos a adenda ao último acordo de cooperação. Ele disse que o Sector Social era parceiro da excelência do Estado. É assim que nós vemos o sector social e as ações que nós temos vindo a tomar em termos de governação mostram isso mesmo. Nós temos um profundo reconhecimento pelo sector social e estaremos sempre, e contaremos sempre, com o sector social e o sector social pode contar também com este governo.
E, portanto, o reconhecimento maior é trabalhamos para que o sector social consiga fazer bem aquilo que sabe fazer.

 Victor Pinto - Fotos e texto

 

Data de introdução: 2025-11-12



















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