Com estatutos de 1959, a OBRA DA CRIANÇA, em Ílhavo, ainda passa despercebida a muito boa gente. Criado pelo prior de Ílhavo, Padre Júlio Tavares Rebimbas, actual Arcebispo-
-Bispo Emérito do Porto, desde a primeira hora integrou o Património dos Pobres, instituição que ainda mantém outras valências, nomeadamente o Lar de S. José, para idosos; o Lar do Divino Salvador, para apoio a mães solteiras e a mulheres vítimas de violência doméstica; e 20 habitações para outras tantas famílias carenciadas.
Presentemente, a OBRA DA CRIANÇA, com 36 crianças, adolescentes e jovens em regime de internato, aposta numa reestruturação que seja suporte de um novo projecto educativo, que está a ser preparado para avançar ainda este ano, como garantiu ao SOLIDARIEDADE o prior de Ílhavo, padre Fausto de Oliveira.
A aposta na reestruturação da OBRA DA CRIANÇA, com a consequente implementação de um novo projecto educativo, vem na linha defendida pelo prior de Ílhavo, quando diz que "a Igreja tem de dar respostas sociais de qualidade e com amor, que credibilizem o Evangelho". Temos de formar jovens com futuro e isso só será possível com mais pessoal técnico especializado e em número suficiente, capaz de responder aos desafios dos novos tempos, sublinhou o padre Fausto.
Um projecto educativo com qualidade implica instalações adequadas e uma maior abertura à comunidade, para que ela sinta esta instituição como coisa sua. As ajudas da comunidade não podem ser apenas pontuais, como se tem verificado. E quem diz da comunidade, diz também da Segurança Social, que mantém o protocolo que foi assinado com a OBRA DA CRIANÇA há cerca de 20 anos, sem qualquer reformulação até hoje, o que provoca sérias dificuldades no dia-a-dia. "Os protocolos financeiros com a Segurança Social nem sequer chegam para os ordenados das funcionárias e para os encargos sociais", frisou o padre Fausto.
Esta valência do Património dos Pobres da cidade maruja é constituída por quatro casas, que correspondem a outras tantas famílias, conforme as idades e as especificidades próprias dos acolhidos. Os serviços são assegurados por uma Directora Técnica (Técnica do Serviço Social) e por 16 funcionárias, estando garantido o atendimento permanente durante todas as 24 horas do dia.
As crianças e jovens em idade escolar frequentam os estabelecimentos de ensino oficiais da zona e muitos deles estão a ser acompanhadas durante o processo escolar. A OBRA DA CRIANÇA tem ainda um espaço de ATL, não só para as crianças da instituição, mas também para as da comunidade local.
Cada casa tem uma monitora que assume o papel de "mãe", orientando a vida dos utentes que lhe estão confiados. Leva-os a participar nas tarefas domésticas e está atenta às suas dificuldades, esforçando-se por criar neles hábitos de trabalho, de asseio, de cooperação e familiares.
A Irmã Ester, da Congregação das Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora, que encontrámos na horta porque as suas "quatro meninas" (frequentam os 6.º e 9.º anos) estavam nas aulas, sublinhou ao SOLIDARIEDADE como se vive numa família como esta. Todas arrumam os seus quartos e ajudam na lida da casa: trabalham na cozinha, passam a ferro, limpam a casa. Mas também estudam, brincam, vêem televisão e até lêem. Nesta casa há uma biblioteca, com computadores, aberta a todos os utentes da instituição.
Reconheceu que estas jovens revelam grandes carências, mas admite que, se não puderem seguir para o Ensino Superior, terão à sua frente Cursos Profissionais. E até acredita que, no futuro, possam casar e levar uma vida normal.
Fátima Santos, advogada e membro da Direcção da OBRA DA CRIANÇA, disse ao nosso jornal que as crianças são entregues, neste momento, pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens e pelos Tribunais, ao contrário do que acontecia antigamente, em que eram as famílias que levavam os seus filhos à instituição, por dificuldades económicas, sobretudo.
Hoje, os menores são encaminhados para esta valência do Património dos Pobres de Ílhavo por factores de risco a que estão sujeitos, nomeadamente negligências familiares, maus-tratos, famílias muito pobres e sem estruturas mínimas e alcoolizadas. "Algumas trazem ’marcas’ profundas que as acompanham toda a vida", disse.
Por sua vez, Cecília Ribeiro da Silva, a directora técnica, informou que as crianças entram na OBRA até aos dez anos, ficando ali até se poderem tornar autónomas. Para além dos estudos normais e obrigatórios, três jovens frequentam nesta altura o Ensino Superior e alguns conseguem empregar-se, depois dos estudos mínimos.
Ao abordar a questão das relações com as famílias das crianças e jovens apoiados pela instituição, Cecília Ribeiro afirmou que algumas visitam os seus filhos, sobretudo no Natal e na Páscoa, mas não deixou de lembrar que "há famílias que estão impedidas de visitar as crianças, pelos próprios tribunais", por razões compreensíveis e que se prendem com o passado triste de muitas delas.
Num campo anexo ao sector ATL da OBRA DA CRIANÇA, em hora de recreio, o SOLIDARIEDADE abordou dois "jogadores" de futebol. O Pedro, entrou na OBRA quando tinha um ano. Está aqui há 11 e foram os pais que o trouxeram por serem muito pobres. Anda no 6.º ano, mas ainda não sabe o que quer ser no futuro. Gosta de jogar com os amigos, gosta de ler livros de aventuras e de ver televisão, mas ainda ajuda a fazer as refeições, a pôr a mesa e a lavar a loiça.
O Carlos, de 14 anos, também anda no 6.º ano. Veio para a Obra pouco tempo depois de nascer, porque o pai faleceu e a mãe não o podia sustentar. No futuro gostaria de ser bombeiro, para ajudar as pessoas, e mecânico. Gosta de ler Banda Desenhada, de jogar futebol e basquetebol e de ver televisão. É ele que vai buscar o pão e ainda se responsabiliza por alguns trabalhos em casa.
Ambos ajudam na horta, comum a todas as casas, nos tempos livres e nas épocas de mais trabalho.
Garantiram ao SOLIDARIEDADE que no Verão vão 15 dias para a praia da Barra e que participam em alguns passeios, organizados pela OBRA DA CRIANÇA.
Data de introdução: 2006-02-22