Até Dezembro de 2007, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados atendeu 5934 pessoas - 16 % das quais vivem sozinhas. Porque não têm família ou porque foram abandonadas por ela. Ou porque sim.
Isto significa que, em Portugal, há um sistema que presta cuidados de convalescença, de reabilitação e de reintegração de doentes crónicos - e com sucesso: a RNCCI conseguirá cobrir, como planeado, 30% da meta prevista (que só termina em 2016) até ao final deste ano -, mas terá devolvido à solidão, logo, à ausência de cuidados mínimos de saúde, 950 pessoas. Se a este universo juntarmos os sem-abrigo atendidos até ao ano passado (5%), constata-se que a percentagem das 1246 pessoas cujos objectivos terapêuticos foram alcançados, terão sido entregues a ninguém.
A Rede, cuja evolução será inequívoca - os dados de 2008, a que o JN teve acesso, apontam já para uma cobertura nacional de 58%, com 8807 utentes tratados - é perversa? "O número de utentes que vive só é, de facto, preocupante", reconhece Ana Girão, médica e responsável pela implementação da RNCCI, ressalvando, no entanto, que, na primeira metade deste ano, o número já desceu para 12%.
"Existe alguma carência na resposta social", admite. No entanto, "no fim da reabilitação, acabamos por ficar a responder a problemas de carácter social". À falta de melhor solução, isto conduz a que as pessoas "permaneçam indevidamente na Unidade de Média Duração eReabilitação (UMDR)". Detêm-se no tempo, mas nunca poderão ficar lá para sempre.
Em certo sentido, esse dado ajudará a explicar por que razão os resultados obtidos na UMDR ficaram, de acordo com o relatório de monitorização do desenvolvimento da RNCCI, ao qual o JN teve acesso, aquém do que seria expectável (ver texto ao lado). E ajudará a explicar também por que razão o tempo médio de internamento nessa unidade é de 83 dias (a segunda mais elevada).
De resto, o relatório indica que mais de metade das propostas de admissão dos utentes (52%) tem como motivo "a situação de fragilidade do idoso" - a idade média dos utentes é de 72 anos. E é o próprio documento que alerta para "a importância de garantir o apoio ambulatório ou domiciliário necessário após o internamento". Ou, no caso dos sem-abrigo, "para a necessária construção de uma relação sólida com a Rede de Apoio Social".
Ana Girão concorda com a indispensabilidade de colmatar as carências detectadas. É, aliás, por isso, que o apoio domiciliário e ambulatório é uma das principais apostas para a segunda fase (2009-2013) de implementação da RNCCI. No Algarve já há equipas com acção no terreno. E o Alentejo começa a constituir as suas.
"Estamos a falar de um serviço sério, que não passa pela mera entrega da alimentação ou da mudança das fraldas", sublinha a médica. E acrescenta: "Enquanto não houver respostas de apoio domiciliário eficazes, não podemos apontar o dedo às famílias. Não podemos apoiar o seu mau comportamento para com os idosos, mas não as podemos acusar". Isto não invalida "a igual necessidade de ampliar a participação das famílias no cuidado aos utentes".
O Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais - deverá criar 13 mil vagas para idosos em lares até 2009 - será "crucial no apuramento desta resposta", conclui.
01.09.2008 Fonte: Jornal de Notícias
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