Crê-se que, por volta do ano 2700 a.C., a imperatriz chinesa Si Ling Chi descobriu a seda quando um casulo de bicho-da-seda caiu de uma amoreira dentro de sua xícara de chá. Após algumas tentativas, conseguiu finalmente tecer o filamento da seda em tecido. Hoje a produção de seda é universal, mas foi um segredo de Estado para os chineses, durante quase três mil anos, pois no ano 300 d.C. a sua manufactura já era conhecida na Índia.
Tudo começa num pequenino ponto negro, que cresce e se torna numa larva, engorda e quando está para se transformar em borboleta… a sua metamorfose é interrompida, aproveitando-se, então, os casulos para se retirar o fio de seda.
Em Castelo Branco há reminiscências muito antigas à tradição de produção de seda, se bem que há muito praticamente abandonada, especialmente na zona de Orvalho.
Então, nos anos 1990, Dias Carvalho, então presidente da APPACDM de Castelo Branco e natural daquela zona, decidiu avançar com um projecto de criação de bichos-da-seda, na perspectiva de o mesmo ser uma actividade ocupacional para os jovens da instituição.
“Este projecto nasceu para dar uma resposta social na ocupação dos nossos jovens com deficiência. Era necessário criar actividades que fossem interessantes, bonitas, que não ocupassem muito tempo e que fossem ao mesmo tempo aliciantes”, recorda Armando Fernandes, responsável pela Quinta da Carapalha e que com o ex-presidente desenvolveu o projecto serícola da instituição, que teve sempre em mente a ocupação dos utentes.
O engenheiro agrícola relembra que foi necessário a instituição dotar-se de competências para levar avante o projecto: “Como disse isto nasceu como resposta social, mas depois houve todo um conjunto de trabalhos necessários fazer. Eu próprio não estava muito metido no assunto e teve que haver uma pesquisa de modo a conseguirmos pôr de pé o projecto”.
Na vertente ocupacional do projecto estão envolvidos quase todos os utentes do Centro Oficinal da Quinta da Carapalha, sendo que directamente são apenas 20 pessoas.
“No entanto, pode envolver todos os formandos da Formação Profissional numa época de colheita intensiva de folhas”, avança o responsável pelo projecto, que tem actividade durante quase todo o ano.
Mesmo não havendo criação do bicho-da-seda, “há um conjunto de jovens que têm uma série de trabalhos a desenvolver dentro do pavilhão, como seja limpar e selecionar os casulos para depois se proceder desenrolamento destes”, esclarece Armando Fernandes.
A Primavera, o Verão e o Outono são dedicados à criação os bichos-da-seda, mas durante o Inverno é que a produção de seda e demais trabalhos são realizados.
“Fazemos três criações por ano. A primeira de Maio a Junho, depois Julho a Agosto e outra a Setembro e Outubro. Fazemos três criações efectivas do bicho-da-seda, sendo que em cada uma delas criamos 60 mil bichos”, revela o responsável, acrescentando: “Como não temos matéria-prima para trabalhar durante o ano inteiro, na Primavera, Verão e Outono produzimos matéria-prima e no Inverno fazemos a extracção da seda”.
AMOREIRAS JAPONESAS
Importante para o desenvolvimento do projecto serícola em todas as suas vertentes foi a plantação do pomar de amoreiras japonesas, uma variedade mais rica em folha.
“Um dos factores muito importante foi plantar o pomar das amoreiras. É cerca de um hectare e meio de amoreiras que agora temos, cujo grande objectivo é a folha e não o fruto, as amoras”, explica Armando Fernandes, sublinhando: “Este pomar também teve em vista a mão-de-obra, daí ser um pomar super-intensivo, de alta densidade e de árvores arbustivas, isto é, os jovens não necessitam de subir às amoreiras para colher as folhas, pois são sempre podadas a nível da cintura”.
Desta forma os utentes não correm perigos na apanha da folha. E tem alturas em que essa apanha é bastante intensa, pois em cada criação de 60 mil bichos-da-seda são necessários 1.500 quilos de folhas para os alimentar. Curioso é que 80% desse consumo de folha acontece na última semana de desenvolvimento, sendo que o ciclo de vida do bicho-da-seda é de 36 a 38 dias.
Reforçando a vertente sócio-ocupacional do projecto serícola da APPACDM de Castelo Branco, o seu responsável máximo refere que a comercialização da seda e de uma série de artigos produzidos com a seda pela instituição é um vector que tem importância no desenvolvimento do projecto.
“É claro que tentamos recuperar o que é possível em termos económicos, aproveitando a seda e comercializando-a”, começa por referir Armando Fernandes, revelando que actualmente a instituição consegue produzir cerca de 25 quilos de seda por ano.
Mas nem sempre foi assim… O projecto de climatização das instalações de criação do bicho-da-seda, financiado pelo programa EDP Barragens Solidárias, incrementou a criação e respectiva produção de seda.
Até aí a instituição produzia cerca de 10 quilos de seda, porque as amplitudes térmicas e a falta de controlo da temperatura e humidade fazia com que só conseguisse fazer uma boa criação na Primavera, pois a de Verão e Outono não correspondiam igualmente.
“A partir da climatização das instalações conseguimos fazer três criações por ano sensivelmente iguais. E agora produzimos cerca de 25 quilos de seda. E estamos como que a forçar a criação dos bichos fora de época, pelo que o desenvolvimento na segunda e terceira criações não é tão eficaz como na primeira”, esclarece.
Entre o nascimento, o crescimento, a engorda, a feitura do casulo, a colheita do casulo, a sua secagem, limpeza, preparação e desinfecção para iniciar uma nova criação medeiam cerca de dois meses, em que um grupo de utentes está envolvido. Aliás, os utentes só não intervêem no processo de finalização do tratamento da seda e da manufactura de produtos com a mesma.
O principal meio de comercialização da seda é a venda em meadas de 10 gramas e ainda a utilização nos célebres bordados de Castelo Branco.
“Nós produzimos a seda, preparamo-la para receber o tingimento, mas não o fazemos. É no exterior, numa empresa em Vila Nova de Famalicão, que a seda recebe o tinto, que é colorida segundo as nossas indicações, retornando aqui já colorida e, então, fazemos meadas de 10 gramas, etiquetamo-las, rotulamo-las e comercializamo-las no mercado”.
O aproveitamento do projecto é tal que tudo é reutilizável, pois enquanto os excrementos são utilizados na agricultura biológica praticada na quinta, já as crisálidas servem para alimentar os peixes, “porque têm uma proteína superior à carne de vaca”.
A cereja em cima do bolo do projecto serícola da APPACDM de Castelo Branco é a construção do Museu da Seda, no qual a instituição espera poder mostrar durante todo o ano a criação do bicho-da-seda e todo o trabalho que tem desenvolvido até ao momento.
DO BICHO À SEDA
Os bichos-da-seda crescem na maternidade durante os primeiros 15 dias, seguindo depois para a zona de criação intensiva. Aí, passam pela engorda e a determinada altura vão procurar um sítio para fazerem o ninho nos chamados encabanamentos, porque o bicho precisa de três pontos distantes cerca de oito centímetros para fazer ninho. O processo é interrompido no momento da metamorfose, de passagem de crisálida a borboleta. Então, o casulo é desidratado e a sua evolução parada. A extracção da seda é feita com água quente e vapor de água, o que dá uma textura gelatinosa aos casulos sem os desfazer. Estes depois seguem para outra máquina de água corrente a fim de se encontrar o início do fio, para depois serem desfiados. Segue-se o desenrolamento dos casulos, o tingimento e, finalmente, a manufactura dos mais diversos artigos, entre outros, toalhas, lenços ou cachecóis…
SABIA QUE…
Cada casulo tem, em média, entre 1.000 a 1.500 metros de fio contínuo?
Dantes o tingimento da seda era feito com corantes naturais, como a abóbora, a cebola ou a folha de videira?
A borboleta do bicho-da-seda é a Bombyx Mori e que cada uma põe entre 200 e 300 ovos?
A criação de bicho-da-seda pode ser feita alimentando-o com folhas de amoreira ou com ração?
As primeiras amoreiras japonesas vieram de França para Freixo de Espada à Cinta?
Nos primeiros oito dias o bicho-da-seda requer 80% de humidade e 26 graus de temperatura, mas na fase final da criação requer apenas cerca de 50% de humidade e 22 graus de temperatura?
Que a anafaia está para a seda, como a estopa está para o linho?
Pedro Vasco Oliveira (texto)
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