1 - De férias na Galiza, encontro à venda, há já alguns anos, desde manhã cedo, os jornais portugueses.
É bom isto de, estando fora, poder repetir os gestos rituais e familiares a que me habituei no dia-a-dia em Portugal e que ajudam a tornar a vida amena - como começar o dia a ler, num café ou numa esplanada, o jornal do costume.
A aldeia global, que tanto e tão justamente criticamos no que tem de negativo - a desigualdade entre o Hemisfério Norte e o Hemisfério Sul, a exploração dos recursos naturais dos países pobres pelas grandes multinacionais, o crescimento da exclusão social, as agressões ambientais, - também nos dá por vezes estes pequenos prazeres, estes indicadores de um futuro mais aberto e melhor.
Devemos olhar para esses sinais com optimismo. E pensar que a grande velocidade de circulação de informação, a nível destes vizinhos ibéricos como a nível mundial, tem um claro efeito de protecção e reforço das liberdades civis.
De modo que me sinto reconfortado por poder saber, logo de manhãzinha, estando em Espanha, as notícias de Portugal, como se em Portugal estivesse.
2 - Não é que as notícias do meu País sejam muito distintas das que os jornais galegos me dão do que se passa deste lado da fronteira.
É certo que não houve por cá nenhuma demissão do director da polícia de investigação criminal, por declarações confidenciais prestadas a um jornalista, sobre processos em curso - que são uma vergonha; e é geralmente reconhecida a competência das autoridades policiais e judiciárias na investigação das principais questões criminais - a Audiência Nacional é senhora de um prestígio que, é escusado dizer, a nossa Procuradoria Geral da República não detém.
Mas, por outro lado, La Voz de Galicia de 18 de Agosto referia uma acusação do PSOE - que chefia, como se sabe, o Governo Central, em Madrid,- denunciando que cem famílias do Partido Popular, à frente da Xunta da Galicia, controlam e ocupam 3.000 empregos públicos na mesma região, quer na Xunta, quer em institutos, fundações e empresas públicas ou participadas, com salários muito acima dos valores correntes, através de concursos de recrutamento a feitio, isto é, com vencedor adivinhado.
Trata-se de matéria que também nos é familiar.
Em Portugal, ao que li, discute-se a quantidade de assessores e adjuntos dos Gabinetes dos membros do Governo, e a grande razia que esse recrutamento fez na classe jornalística, em tantos casos mais sensível aos encantos do poder do que à independência e rigor na informação.
A esse tema, acrescenta o Público de hoje, 24 de Agosto, o caso do chefe de gabinete do Presidente da Câmara Municipal do Porto, que, segundo o mesmo jornal, recebe cerca de 1.500 contos por mês - mais do que o Presidente da República, - pagos pela depauperada Câmara do Porto. Quer dizer, por nós, portuenses.
3 - Não é esta, no entanto, maleita privativa do actual Governo.
Já assim foi com o anterior, e com o anterior a esse, e com o outro mais atrás…
Salvo naturais excepções, é nula a utilidade para o Estado e para o serviço público de existência de tantos assessores, e adjuntos, como os que temos.
Eles vêm, em regra, directamente das estruturas partidárias - das concelhias, das distritais, das federações - e das "jotas" dos partidos em cada ocasião no poder para a grande mesa do Orçamento.
Não têm, tantas vezes, exercício profissional anterior digno de registo, que os habilite para funções que supostamente exigem grande qualificação técnica.
(Que digo eu? - às vezes sem um único dia de exercício de uma profissão, passando per saltum da colagem de cartazes para uma alta função do Estado).
É nula a utilidade. Mas é cara a mordomia…
E infelizmente passa sem um sobressalto cívico este uso que se foi consagrando de utilizar os dinheiros públicos - e de esvair o prestigio público - no pagamento de fidelidades pessoais, na compra dos votos do aparelho para o futuro, na retribuição de apoios pretéritos, na promoção da imagem dos que governam quando os seus méritos próprios não bastam.
4 - Para além das razões de fundo, filiadas nos princípios éticos das IPSS e no exercício da solidariedade activa por parte dos seus dirigentes, também esta razão pragmática me tem levado a defender que o exercício do mandato dos membros dos corpos gerentes das instituições se deve manter gratuito. E a esperar que a Comissão que, em nosso nome, se encontra a negociar a revisão do Estatuto das IPSS - Dec. Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro - faça desse princípio uma questão de honra.
É que, senão, corremos o risco de os partidos que compõem o arco do poder se entenderam para, esgotada a possibilidade de expansão da oferta de lugares, públicos e para-públicos, para as respectivas clientelas e para os jovens mais promissores das suas próprias falanges, instituírem para si próprios um novo privilégio - o de nomearem os dirigentes das IPSS.
É o chamado "bloco central dos interesses".
Não acreditam? Não os conhecem!
Quanto à coligação do Governo, entre a paixão e a persistência, confesso que não sei.
E o leitor?
* Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde
Solidariedade, Setembro de 2004
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