1. Em 19 de dezembro de 1996 foi assinado o Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social. Completam-se vinte anos...
Subscreveram-no o Primeiro Ministro (Engº António Guterres), os presidentes da Associação Nacional dos Municípios (ANMP - Engº Mário de Almeida) e da Associação Nacional das Freguesias (ANF - Manuel Marçal Pina) e os três presidentes das organizações representativas do Sector Solidário (União das Instituições Particulares de Solidariedade Social / CNIS - P. José Martins Maia, União das Misericórdias - P. Vítor Melícias e União das Mutualidades - Dr. António de Seixas da Costa Leal).
Todos merecedores de uma reconhecida homenagem da sociedade portuguesa e da veneração de toda a comunidade humana.
2. Com o Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social era assumido tanto um legado histórico como a matriz cultural marcadamente humanista que geraram expressões organizadas e enraizadas nos próprios cidadãos que, das mais variadas formas no decorrer dos séculos, foram assegurando o exercício da solidariedade e da proteção social junto das pessoas ou dos grupos mais carenciados. Se algumas (muitas) dessas expressões provinham da caridade cristã, outras expressões vinham de outros credos e ideologias ou eram manifestações da cidadania ou da solidariedade. No seu agir constante umas e outras ajudaram-se mutuamente a construir um modelo de ação social direta que fez com que muitas pessoas vissem respeitada a sua dignidade humana e com que muitas mais deixassem as retaguardas na sua caminhada humana e encontrassem um melhor provir.
Com o Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social também era reconhecida a dinâmica destas iniciativas com o constante crescimento do número de instituições do sector solidário e o progressivo alargamento da sua obra, integrando, em todo o País, uma verdadeira rede de solidariedade e proteção social. Já, então, não havia comunidade sem que do seu seio não tivesse surgido alguma iniciativa em seu favor, fosse ela informal ou organizada, em benefício das crianças, dos jovens ou dos mais velhos, das pessoas com deficiência ou das pessoas carecidas de suficientes recursos para viver.
Com o Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social era anunciado um rumo irreversível do Estado Social: atento às necessidades e apoiado pelos meios que afeta e pelas experiências de uma comunidade que não se demite, o Estado assumia a tarefa não só de estabelecer políticas sustentadas como também a de reconhecer uma sociedade que se organiza e que faz muito e muito bem na ação social direta.
E com o Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social era acautelada a autonomia das organizações da comunidade, acentuava-se a capilaridade (não há comunidade sem qualquer expressão organizada), reforçava-se a solidariedade (o outro nunca é um obstáculo mas sempre um companheiro de jornada), aprofundava-se a subsidiariedade (não se empurra para o Estado o que alguém da comunidade pode fazer) e familiarizava-se a proximidade (quem está mais próximo, em princípio, está em melhores condições de boa resposta).
Os resultados estão à vista: a sociedade tornou-se ágil a fazer da sorte de todos a sorte de cada um e a sorte de cada um também a sorte de todos. Assim, e não é de somenos importância, sem que ninguém fique para trás, com menos recursos chega-se a mais pessoas e a comunidade assume com esperança o seu futuro. Isso enquanto se evita a elefantíase de um Estado excessivo e excessivamente providencial.
Não restam dúvidas: nisto de cooperação somos e temos uma boa prática para todo o mundo que nos rodeia.
Um reparo apenas: o Estado local parece ter sentido alguma dificuldade em situar-se...
3. Ao celebrar os 20 anos do Pacto de Cooperação importa acautelar alguns riscos.
Uma das partes subscritoras do Pacto foi, evidentemente, o Sector Solidário. Muito embora o espaço do Sector Solidário seja o espaço social, a sua dimensão é a da capilaridade, a sua filosofia é a da envolvência, a sua matriz é a do voluntariado, a sua opção é a de preferenciar os mais carenciados, a sua presença é a da proximidade, a sua qualidade é a da solidariedade e o seu produto é serviço público. Mas onde Sector Solidário está perfeitamente individualizado é na sua estratégia, que é a da Cooperação com o Estado. Correr o risco de diluir-se na economia social é fazer perigar o que diferencia muito positivamente este País.
O Sector Solidário é, também, uma pluralidade conciliada de credos, expressões de cidadania, ideologias e manifestações de solidariedade. Talvez não sendo a maioria, são, porém, muitas e muito boas as expressões organizadas com a marca da caridade cristã. Qualquer tentação de "Igrexit" redundaria em auto marginalização da cooperação e em abandono das periferias. A hora é a de dar uma voz à harmonia e à coesão enquanto a celebração dos 20 anos pode ser uma boa oportunidade para tal.
Se o Estado Local sente alguma dificuldade em situar-se no equilíbrio da Cooperação, a via não será certamente nem a da municipalização nem a da estatização das respostas sociais, mas certamente o da definição das competências em ordem ao melhor serviço à comunidade, porque é de serviço e não de poder que há urgência. Está provado que a ação social direta encontrou os melhores agentes no Sector Solidário; talvez as Autarquias estejam bem mais vocacionadas para o atendimento e o acompanhamento social informal. E não lhes falta espaço para o qual não são suficientes os grupos informais.
Lino Maia
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