Tal como muitas outras IPSS espalhadas pelo país, a Associação Baptista Shalom nasceu da vontade dos membros da Igreja Baptista, no caso a primeira de Setúbal, em abrir a instituição à comunidade. Hoje, é uma instituição de referência, especialmente, na área da infância, mas os seus responsáveis continuam a sonhar construir um lar para idosos. Por outro lado, através do RSI, que continua a dar prejuízos à instituição, apoiam muitas famílias carenciadas e distribuem alimentos a muitas outras mais.
“A primeira Igreja Baptista de Setúbal já tinha alguma ação de beneficência, mas que era essencialmente virada para o seu interior. A determinada altura começámos a discutir entre nós por que não abrir essa área à comunidade, indo ao encontro das pessoas e das suas necessidades”, começa por dizer Joaquim Lopes Moreira, presidente da Shalom, acrescentando: “Começámos, então, a estudar a melhor maneira de o fazer. Nessa altura, não era possível às igrejas evangélicas, por si próprias, desenvolver trabalho social, pois era necessário constituir uma associação. E foi o que fizemos. Apesar da discussão já ter muitos anos, foi a partir de 1998 que isto arrancou. Esta discussão teve, seguramente, uns 20 anos, porque a própria Igreja teve dificuldade em compreender a importância de se virar para a comunidade”.
Inicialmente, esta vontade não recolheu o consenso entre todos os responsáveis pela Igreja Baptista, pelo que o passo seguinte demorou algum tempo.
“Tinha que ser algo que recolhesse a unanimidade para não começar logo com divisões”, afirma o presidente, lembrando que, então, “em 1998, conseguiu-se conciliar ideias e constitui-se a Associação Baptista Shalom como IPSS”.
Entretanto, a Igreja, a pedido da Segurança Social, já fazia distribuição alimentar no âmbito do ex-PCAAC (Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados), que, assim que a Associação se constituiu, passou para a Associação.
“A determinada altura, e repentinamente, na Igreja apareceu mais de uma centena de pessoas do Leste da Europa, que não tinham onde dormir, o que comer ou vestir, nem onde trabalhar… Então, a Igreja mobilizou-se e começou a oferecer jantar a essas pessoas. Tudo voluntariado da Igreja, que depois, em 2004, deu origem à Cantina Social da Associação”, conta Joaquim Lopes Moreira, recordando que “a iniciativa da Igreja ao fim de um ano começou a ter problemas de sustentabilidade pois não tinha apoio nenhum do Estado”.
O arranque do trabalho social da Associação Baptista Shalom em Setúbal deu-se, precisamente, pela Cantina Social, mas o objetivo era bem mais vasto.
“A Igreja já tinha sonhos para a área social e esses sonhos passavam por uma quinta, porque nós fazemos muitos acampamentos com crianças e jovens, e por um lar para idosos. E estes são dois sonhos que, apesar de não concretizados, ainda se mantêm”, explica o presidente, recordando o processo que conduziu à construção do atual equipamento: “A Associação apresentou uma candidatura ao PARES II já com um edifício completo, ou seja, com creche, pré-escolar, lar de idosos e apoio domiciliário, só que tivemos problemas técnicos que não conseguimos ultrapassar e foram os próprios técnicos do PARES que nos aconselharam a concorrer ao PARES III. Só que este programa apenas tinha a área da educação. E, assim, avançámos para a área da infância e deixámos o lar para melhores dias”.
Construído o edifício, batizado de «Voar Mais Alto», a aposta na área da infância tem provado, ao longo dos anos, que a resposta oferecida pela instituição era e é uma necessidade da comunidade setubalense.
“A necessidade era e é muito grande, pois estamos completamente cheios, algo que se tem verificado desde que abrimos o equipamento. E já estamos cheios para o próximo ano”, argumenta o líder da Associação.
Atualmente, a Associação Baptista Shalom acolhe 81 bebés em creche, 100 crianças em Pré-escolar, apoia 220 agregados familiares no âmbito do RSI, ou sejas, mais de 500 pessoas, atende 70 pessoas na Cantina Social, e ainda mais 40 na Cantina Social de Emergência (já foram 100), e, para além de servir 150 pessoas no PO APMC (Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas), faz distribuição alimentar a cerca de 1.200 pessoas. Para todos estas respostas, a instituição tem uma equipa de 60 funcionários.
Sobre a população que a instituição serve, o presidente aponta dois públicos-alvo específicos: “Temos uma comunidade muito carenciada, que inclui a distribuição alimentar, o RSI, a Cantina Social, mas na área da infância, apesar de termos algumas pessoas carenciadas, a maioria é de um estrato socioeconómico médio e alto”.
Para Joaquim Lopes Moreira, “a procura é grande, porque houve uma grande aposta na qualidade do edifício e num corpo técnico jovem e muito competente e isso tem resultado”.
Quando a instituição abriu portas recebeu “uma avalancha de pais que tinham os filhos no privado e que optaram pela Associação”.
No entanto, Marisa Bossa, diretora-técnica da instituição, sublinha que a instituição, ainda assim, acolhe crianças de famílias carenciadas.
“A grande virtude é que os processos financeiros só passam por mim, nem as educadoras têm acesso. Ou seja, temos aqui crianças que são de famílias que recebem ajuda alimentar, mas a questão é que ninguém sabe quem é quem. Perante o estudo social e económico que é feito há muitos meninos que estão isentos de pagar determinadas atividades, como a música e outras. O objetivo é prestar serviços de qualidade a todos independentemente da condição económica”, sustenta.
“Do outro lado da balança, temos as respostas como RSI e as ajudas alimentares que servem uma população mesmo muito carenciada”, frisa o presidente, deixando uma crítica aos Protocolos do RSI: “Ele nasce de um pedido do Estado para nós colaborarmos. Apenas oportunismo do Estado em relação às IPSS. E nestes 12 anos não houve atualizações nem de salários, nem de despesas. E, depois, isto tem a agravante de o protocolo ser para 150 agregados familiares e nós atendermos 220 ou mais”.
Com prejuízos avultados, na ordem dos 17 mil euros anuais, o presidente da Shalom considera que “há uma exploração muito grande e que provoca um prejuízo anual muito grande” e acusa: “Os serviços do Estado sabem disso, porque mandamos os relatórios… mas não fazem nada”.
No entanto, e contrariando a lógica racional, a instituição mantém o serviço.
“E por que é que continuamos? Há duas situações que nos fazem arrepiar caminho: temos que ser solidários como as pessoas que trabalham aqui, e são sete pessoas que têm família; e, em segundo, temos acesso a uma série de pessoas carenciadas que, para além do RSI, podemos servir através da loja social, das atividades com crianças e famílias e, assim, ajudá-las ainda mais. No fundo, isto está na missão da Associação e não devemos deixá-las sós, apesar dos grandes prejuízos, que, diga-se, acontecem apenas por mau comportamento do Estado”, argumenta.
Ainda assim, a Associação tem a situação financeira “equilibrada”.
“Gerimos esta casa com muito equilíbrio, procuramos a melhor sabedoria para evitar qualquer percalço. Como temos grandes encargos bancários, da ordem dos 120 mil euros anuais, pagamos tudo a tempo e horas, não temos dívidas e temos feito alguns investimentos, como os painéis fotovoltaicos, a pensar no futuro e no equilíbrio financeiro”, refere o presidente, ao que a diretora-técnica acrescenta: “Aqui é tudo pensado ao detalhe, não se dá passos maiores do que as pernas. A Direção pode ter um desejo mas, se não se pode fazer, não se faz. E sabermos que não é o tempo de investir também é uma grande virtude. A gestão é toda feita ao pormenor, não se gasta dinheiro desnecessariamente. Falamos com os fornecedores regularmente para negociar preços, sempre com o objetivo de reduzir as despesas. Não podemos trabalhar muito no aumento de receitas, porque o que vem dos acordos e das famílias é o que é, apesar de termos mais crianças do que o protocolado. Se não podemos aumentar as receitas, temos que minimizar as despesas e aí tentamos utilizar os recursos da casa. Fazemos aqui um doce equilíbrio e não se gasta dinheiro à toa, sempre sem baixar a qualidade dos serviços”.
Com os projetos da quinta e da ERPI (Estrutura Residencial Para Idosos) adiados e à espera de melhores dias, a Associação sadina deseja que o Estado promova melhor a sustentabilidade da instituição, por via de uma melhor cobertura pelos acordos de cooperação e, sonho antigo, a abertura do Serviço de Apoio Domiciliário (SAD).
“Em junho, concorremos àquilo que é a manifestação de interesse a três áreas específicas: o alargamento da Cantina Social, porque vamos ficar sem a resposta de emergência e já sinalizámos 20 pessoas que não temos onde colocar, porque não cabem na Cantina e não têm perfil para o PO APMC; o alargamento do acordo do Pré-escolar, porque temos 100 crianças e acordo apenas para 60 e todos pagam como se houvesse acordo; e a abertura do SAD”, explica Marisa Bossa, contando a epopeia que tem sido a contratualização com a Segurança Social: “O SAD já tem um historial muito antigo na casa, mas agora fizemos formalmente a manifestação de interesse para 40 utentes, porque quando construímos o edifício foi com a premissa de três acordos de cooperação: creche, pré-escolar e SAD. A creche ficou nos 66, o Pré-escolar, no primeiro ano, não teve qualquer acordo, depois celebrou-se e, paulatinamente, chegou-se aos 60, e o SAD nunca chegou a abrir. Dois meses antes do Pré-escolar abrir informaram-nos que não havia acordo, tal como para o SAD. Temos tudo feito, já estamos autorizados pelo PARES, mas estamos à espera. Dizem que estão a avaliar os processos mais antigos e ainda nem olharam para os processos de junho”.
Refira-se que, em termos de acordos de cooperação, em todas as respostas sociais estão abaixo da frequência, sendo que apenas na creche os famosos 80% se verificam.
“Não compreendemos a questão dos 80%, nem a posição da CNIS, porque se prestamos um serviço à comunidade e ao País, algo que o Estado devia fazer, mas é incapaz de o fazer tão bem e ao preço que as IPSS fazem, porquê apenas comparticipar 80%?”, questiona Joaquim Lopes Moreira, lamentando que a única resposta da Segurança Social seja “para as instituições negociarem com os pais”, algo que “na prática não funciona assim”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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