LINO MAIA, PRESIDENTE DA CNIS, FALA DA COOPERAÇÃO COM O ESTADO

3,5% de atualização podem ser reforço para a crise mas não podem ser o valor da atualização anual

O presidente da CNIS em Grande Entrevista ao Solidariedade faz um primeiro balanço do Sector Social Solidário no combate à crise COVID-19. Lino Maia assegura que nas IPSS a situação nunca esteve incontrolável, embora admita que o governo demorou a acertar o passo com o sector social, sobretudo na questão dos lares de idosos.
O presidente da CNIS perspetiva o futuro próximo em que a abertura das diversas valências é prioridade e defende que é tempo de se pensar na recuperação das visitas aos idosos. Num ano que só vai ter a estação da pandemia, Lino Maia reitera a necessidade de atualização do valor de comparticipação do Estado na cooperação: “3,5% de atualização podem ser um reforço para a crise mas não podem ser o valor da atualização anual”.

SOLIDARIEDADE - Com o fim do Estado de Emergência vamos assistir a uma retoma de atividade. Como perspetiva o regresso à normalidade no sector social e nas associadas da CNIS em particular?
Lino Maia - Parece claro que enquanto não for encontrada uma vacina que afaste de nós este maldito vírus não há regresso à normalidade. Melhor, a normalidade dos tempos próximos será a turbulência. Neste mês e meio de Estado de Emergência em que, teoricamente, encerraram as valências com respostas para a infância, juventude e atividades ocupacionais, as instituições não ficaram inativas. E as valências com respostas para os mais velhos e pessoas com deficiência tiveram uma atividade acrescida, dificultada, mas fundamental. Não fossem os dirigentes tão presentes e os trabalhadores tão dedicados a fazerem dos idosos e das pessoas com deficiência a sua família e estaríamos todos a chorar consequências bem mais gravosas nesta pandemia.

Agora, neste tempo de Estado de Calamidade, nas valências com respostas para a infância, juventude e atividades ocupacionais, é o tempo de um certo restabelecimento reequacionado de atividade. Começa este período com a necessária formação dos trabalhadores e dirigentes, com medidas de prevenção e rastreio, e com a preparação dos espaços, nomeadamente com desinfeções, para assegurar segurança e confiança. E "a normalidade" neste tempo de anormalidade está a ser operacionalizada. Com determinação e responsabilidade.  E confiança: a título de exemplo, recordo que no penúltimo dia do Estado de Emergência, a CNIS fez uma sondagem junto das 1.059 instituições associadas que têm a resposta de Creche: dos 85,9% que considera que haverá adesão dos pais/responsáveis, metade destes considera que essa adesão corresponderá a 50% dos pais; apenas 6,1% refere que essa adesão não será superior a 24%.

Pode dizer-se que o pior já passou nos efeitos da pandemia nas IPSS e, especificamente, nos lares de idosos?
Certamente. Está reinstalada uma certa serenidade e confiança. Durante algum tempo parece que alguém desejava que algo semelhante a outros países acontecesse entre nós. Mas devo referir que a realidade portuguesa é muito diferente: estas instituições, que brotam das comunidades, têm muita qualidade, têm dirigentes voluntários muito diligentes e têm trabalhadores muito dedicados. Se compararmos os números (mas cuidado que as pessoas não são números) vemos que, nos Lares de Idosos e Lares Residenciais, as pessoas têm um acompanhamento que não teriam se estivessem emparedadas na sua solidão de abandono.  E, por isso, nunca resvalámos para uma situação incontrolável.  Houve problemas e continuará a haver problemas. Mas houve controlo para conter a sua dimensão. E há muita arte e muita dedicação, muito coração e muito engenho para minorar e vencer as dificuldades.

Subsistem alguns reparos à coordenação do governo em relação aos lares no combate à COVID-19?
Esta pandemia veio relembrar que nos nossos Lares está a população mais frágil, com um histórico de saúde muitas vezes problemático e com dependências muitas vezes graves. Já se sabia, mas parece que se queria ignorar. E, no princípio da crise, a Saúde ignorou-o mesmo e parece ter contribuído para uma certa estigmatização. Tanto os de idosos como os residenciais, os Lares têm a proteção que as instituições e a Segurança Social asseguram, porém, carecem também de cuidados de saúde que a Saúde parecia ignorar. Creio bem que agora estamos em condições de caminhar num rumo mais acertado. E para ser justo, devo sublinhar o magistério do Presidente da República, a mestria do Primeiro Ministro, a determinação da Ministra do Trabalho Solidariedade e Segurança Social e a compreensão da Ministra da Saúde. Importante, também e muito, foi a decisão do Governo de destacar cinco Secretários de Estado, um por cada região, para a coordenação de respostas de Saúde, Segurança Social, Autárquicas e Solidárias.

Defende que é preciso começar a pensar em criar condições para voltar a permitir visitas aos idosos em lar. Para quando e como?
As visitas nos Lares foram proibidas há dois meses - no dia 6 de Março. Foi a primeira medida. As instituições acataram-na imediatamente…
Nos seus Lares, os idosos e as pessoas com deficiência apoiaram a abertura das portas das prisões e exultam com a anunciada reabertura de Creches e de outras atividades. Contaram números que iam engrossando. Veem o tratamento que alguma comunicação social vem fazendo sobre Lares. Alguns foram ali abandonados, é certo; mas agora todos estão saudosos. Muito saudosos. Sentem o carinho e a dedicação dos trabalhadores nos seus Lares mas falta-lhes algo para continuarem a sonhar. São idosos mas sonham. Vão chegando algumas notícias dos seus familiares, mas precisam de um olhar, de um sorriso e de partilhar uma lágrima familiar que tarda...
Com testes feitos e desinfeções operadas, com os doentes Covid a serem tratados onde o devem ser (e não é nos respetivos Lares, que são residências coletivas) e a distribuição de equipamentos de proteção individual, com espaços destacados que garantam distanciamento e a  programação que assegure controle e agendamento de cada entrada, penso que se deve falar de visitas. Os idosos e as pessoas com deficiência merecem-nos gratidão e respeito…

Como avalia a resposta do sector social solidário a esta crise?
Nos "tempos de prosperidade", silencioso mas operativo, este sector diligencia para que ninguém fique para trás e todos possam construir um devir com uma esperança mais ativa. Nos "tempos de crise", visível e agilmente este sector trata as feridas, endireita veredas e é a "estalagem" de recuperação da esperança…

Quando a "ordem" é a de "ficar em casa", este sector social solidário "transpõe" portas. E, não é proselitista a afirmação: reinstala a serenidade e a confiança.

Disse no início de abril que as IPSS estão disponíveis para abrir Creches e Infantários em agosto, tempo de férias. Vai ser necessário?
Certamente que será necessário e não haverá problemas. As instituições são solução. Também vou dizendo que neste ano só temos uma estação, que é a da pandemia, e que obriga a ajustar desfasamento de horários, programação de férias e conciliação entre vida familiar e vida laboral. Com a reabertura das Creches e dos Infantários, os pais podem contar certamente com estes apoios de confiança.

Antes da COVID-19 o sector social estava em situação de pré-ruptura. Houve uma atualização de 3,5% na comparticipação da cooperação. O que a CNIS solicitava é que a atualização fosse de 5,5% a 6%. Conta que este ano possa haver essa recuperação?
A atualização do salário mínimo foi de 5,83% e, em média,  os custos do trabalho representam cerca de 70% dos custos das instituições. Segundo o estudo coordenado pelo Prof. Américo Mendes e feito pela Universidade Católica, em 2017 já havia 40% de instituições com resultados negativos e, em média, o Estado comparticipava em 40% dos custos das instituições. A tendência é a do agravamento da situação. Recordo, entretanto, que, aquando da celebração do Pacto de Cooperação para a Solidariedade (Dezembro de 1998), era consensualizado o compromisso de o Estado assumir 50% dos custos das instituições…
Os 3,5% de atualização nos acordos (os tais "cantados" 59 milhões) podem ser um reforço para esta crise mas não podem ser o valor da atualização anual.

As IPSS foram fundamentais na crise 2010/2014 no apoio aos mais desfavorecidos. Anuncia-se uma crise económica de proporções de difícil previsão em consequência da pandemia. Com o sector tão fragilizado será possível desempenhar a missão que lhe cabe?
Vou dizendo - e é certo - que a sociedade e o Estado podem confiar neste sector. Porém o Estado não pode lavar as mãos como se este sector tudo fizesse e de nada precisasse. Este sector é um instrumento do Estado na proteção social. Para além de ter de apoiar mais este sector para poder cumprir a sua missão, nestas circunstâncias o Estado deve ter um Programa de Emergência que, nomeadamente contemple quatro objetivos:

- Acréscimo de capacidade das Cantinas Sociais;
- Assunção de comparticipações familiares por parte do Estado - com o Lay off e o desemprego, há famílias a querer que seus filhos frequentem ATL, Creches e Infantários e não podem satisfazer as suas comparticipações;
- Aumento de Apoio Domiciliário - há doentes Covid confinados que, com as suas famílias, carecem de apoio nesta conjuntura;
- Reforço de Cabazes Alimentares - porque pobre é também aquele que nem a sua própria refeição pode fazer, seja porque não tem com que a fazer seja porque não o deixam fazer. 

A crise pandémica fomentou a coordenação entre representantes do Sector Social Solidário?
São quatro as organizações representativas do Sector: União das Mutualidades, União das Misericórdias, Confecoop e CNIS. Todas importantes e cooperantes, mas pelo seu histórico e pela sua dimensão destacam-se, certamente, a União das Misericórdias e a CNIS, porque há mais Misericórdias do que concelhos (e elas, normalmente, têm um âmbito concelhio) e há mais IPSS que freguesias. Devo destacar a profunda comunhão entre União das Misericórdias e CNIS e exaltar o dinamismo de articulação leal do Dr. Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias.

A COVD-19 deu a conhecer muito mais o sector social. É positiva a imagem que vai ficar?
No princípio desta crise, temi que, aqui ou ali, se pretendesse pôr em causa este sector para exaltar o sector eminentemente privado (que, sem dúvida, é muito importante e deve ser valorizado) ou voltar a defender-se a estatização da solidariedade.
Penso que, com a evolução dos acontecimentos, imperou o bom senso. E, hoje, este sector tem o reconhecimento que merece. Nomeadamente o reconhecimento de todos os partidos que, por sua vez, também merecem o reconhecimento de todos nós. Quando digo de todos os partidos, não ignoro nenhum dos novos partidos, mas tenho muito presentes os partidos que têm feito parte do chamado "arco da governação", como o:
- BE, que, afirmando sempre a importância do Estado, reconhece que o Estado somos todos nós e que, sem todos nós, o Estado não tem futuro,
- CDS, que, desde sempre, tem reconhecido a importância constituinte e preciosa da sociedade e das IPSS e que tem liderado a necessidade do restabelecimento de um Programa de Emergência,
- PCP, que se tem empenhado e tem sabido trazer todos, também Instituições de Solidariedade, para a construção de uma sociedade melhor e de todos,
- PS que suporta o atual Governo e que muito e muito bem tem sabido matizar a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática,
- PSD que, como sempre, pela sua ideologia e pelo seu sentido de responsabilidade, tem sido inultrapassável na construção de um melhor devir coletivo.

V.M.PINTO – texto e fotos

O Sector Social Solidário é o conjunto de 5.680 entidades e é representado por quatro organizações: União das Mutualidades, União das Misericórdias, Confecoop e Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS).
Emprega cerca de 340 mil trabalhadores e apoia cerca de 800 mil utentes (300 mil dos quais são idosos).
Da CNIS, fazem parte 3.025 dessas entidades, nomeadamente, para além de outras: Associações Mutualistas (5) e Humanitárias (2), Cooperativas (39), Fundações (168) e Associações de Solidariedade Social (1921), Casas do Povo (42), Centros Sociais Paroquiais (585), Institutos de Organização Religiosa (185) e Misericórdias (32).
Neste conjunto das associadas da CNIS, pelo menos 900 Instituições têm Lares, com Serviço de Apoio Domiciliário e Centros de Dia e algumas delas também têm Cuidados Continuados.
Só no Continente são 847 Instituições e cerca de 50 nas Regiões Autónomas. Para além desses Lares de Idosos há, também os Lares Residenciais, para pessoas com deficiência.
No conjunto do Sector Social Solidário, considerando também a Confecoop e União das Mutualidades, haverá cerca de 1.500 Lares, com cerca de 80.000 utentes. Para além desses Lares do Sector Social Solidário há, também, Lares do Sector Lucrativo, muitos e muito bons. E os ilegais.

 

 

Data de introdução: 2020-05-06



















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