ALBINO ALMEIDA, PRESIDENTE DA CONFAP

Muitas vezes as associações de pais representam os orfãos de pais vivos

O mandato à frente da CONFAP, Confederação Nacional das Associações de Pais, está no fim e a recandidatura não é consentida pelos estatutos. Albino Almeida será substituído, agora em Março, com a sensação do dever cumprido.
Deu à CONFAP uma visibilidade, uma notoriedade e uma capacidade de intervenção invejáveis. É certo que Albino Almeida foi criticado por ter andado muitas vezes de braço dado com o poder. Mas o líder das associações de pais garante que não há que ter medo de aplaudir quando o governo faz bem nem de chamar a atenção quando faz mal.
E como que a provar a independência do poder político deixa um recado: "Eu gostava que os ministros não viessem para a Educação inventar e fazer revoluções de leis que não passam de experiências, que tornam as nossas crianças alunos infelizes e cobaias da vontade de cada ministro em alterar a história. As leis, nesta matéria, precisam de grande consenso e muito tempo de avaliação."
Albino Almeida nasceu em 1961 e é natural do Porto. Fez o curso da escola do Magistério Primário do Porto e cursou Psicoterapia Familiar e Psicodrama. Foi professor do ensino básico no Colégio do Rosário no Porto, entre 1979 e 1986. Foi gestor comercial de empresas entre 1986 e 1993 e assessor de gestão comercial e comércio externo. Presidente da Assembleia Geral da FEDAPAGAIA e Presidente do Conselho Executivo da CONFAP - Confederação Nacional das Associações de Pais.
É o convidado da grande entrevista da edição de Março do mensário Solidariedade. 

SOLIDARIEDADE - Está prestes a terminar o mandato à frente da CONFAP e durante estes três anos conferiu-lhe uma projecção mediática nacional. Isso correspondeu a uma estratégia definida à partida?
Albino Almeida -
Os grandes combates de afirmação dos direitos sociais, numa sociedade que procura sempre avançar, mas que muitas vezes se esquece desse valor absoluto, que é não acentuar as desigualdades, são feitos por cada associação de pais em cada escola. Mas é preciso dar-lhe visibilidade nacional para que a força que os pais têm que colocar nesse combate, pela dignificação e qualificação do ensino e da educação, tenham uma visibilidade nacional. Esta foi, de facto, uma estratégia assumida desde que fiquei presidente da Confederação em 2003. Nessa altura estava a começar a governação, na educação, o Professor David Justino. Foi pela comunicação social que, na altura, soubemos de muitas das políticas. Por exemplo: o estatuto disciplinar do aluno não superior e os agrupamentos. Os ministérios usavam e usam hoje a comunicação social como forma de difundir as políticas e, às vezes, de, antes de as levar a cabo, as testar para perceberem o que a opinião pública pensa delas. Sempre souberam, antes, durante e depois o que é que a CONFAP pensava. Sempre procurámos dizê-lo, no mesmo tom e ao mesmo nível, que o governo o fazia, mas sempre muito fundamentados com aquilo que as associações de pais nos dizem no dia-a-dia. Para além da visibilidade que pude dar à CONFAP, eu fui o presidente que mais horas passou ao telefone e mais quilómetros fez em todo o país. Sempre com o apoio das equipas que liderei. O balanço é muito positivo. A CONFAP tem-se feito com muita sensibilidade e bom-senso, contrapondo àquilo que era no passado, com muito orgulho e preconceito. Esse é o nosso caminho.

SOLIDARIEDADE - Tem havido alguma consonância, não sei se táctica, com as políticas recentes do Ministério da Educação...
Albino Almeida -
Tenho ouvido essa crítica, mas é uma falsa questão. Nós temos divulgado há muito o manifesto para a educação em Portugal. Foi entregue a todos os partidos políticos antes das eleições de Fevereiro de 2005. Acontece que o PS plasmou-o no programa eleitoral e depois no programa de governo, fazendo referência às associações de pais. E foi o único que o fez. As associações de pais têm sido consideradas como parceiro. De então para cá, o executivo colocou no terreno os mesmo objectivos por que temos lutado ao longo de muitos anos. Há uma convergência da confederação com os objectivos e a direcção traçados pelo governo. De resto, tenho feito grandes amizades que vou naturalmente conservar. Mas também há muitas diferenças. Vou dar-lhe alguns exemplos: na organização da rede; na política dos manuais; no destacamento dos professores; na implementação da obrigatoriedade do inglês, matéria em que defendo que as autarquias devem estar envolvidas. Com o governo temos uma relação clara: de crítica quando não faz o que achamos que devia fazer; de apoio claro quando faz e nós achamos que está a fazer bem.

SOLIDARIEDADE - Concretamente, considera que a medida anunciada pela ministra da educação de encerramento de cerca de 1500 escolas vai de encontro ao que a CONFAP defende?
Albino Almeida -
É exactamente a mesma coisa dos agrupamentos. Dissemos ao governo que tínhamos um acordo na filosofia. O princípio da articulação e da sequencialidade, isto é, os alunos passam no sistema educativo, desde o pré-escolar até ao secundário, fazendo sentido que haja agrupamentos. Eles dão sequência aos diversos graus de ensino e, no entanto, dissemos ao governo de então, que havia agrupamentos que eram ajuntamentos, limitavam-se a associar escolas muito distantes entre si e juntavam problemas. Da mesma maneira, vamos apresentar no 30.º Encontro Nacional um documento de matriz da CONFAP em que dizemos a este governo que a reorganização da rede é algo que nós percebemos e com cuja filosofia concordamos: dar às crianças um centro escolar de qualidade, numa lógica de grande socialização, diminuindo as assimetrias e as desigualdades à partida. Nesse documento vamos dizer que não vale a pena que os alunos passem para escolas que tenham piores condições do que aquelas em que estão. Nos casos em que for assim o melhor é ficar como está. Aí estaremos ao lado das escolas. Já dissemos que nalguns casos isto está a ser feito a régua e esquadro. A ministra garante que nada está decidido, mas alguns centros administrativos (CAE) estão a fazer a publicitação de escolas que vão fechar a ver "se pega", criando muitas dificuldades a que os pais ouçam outra alternativa.

SOLIDARIEDADE - Pelo que temos apercebido este governo tem tentado adaptar o conceito de escola pública, designadamente através da extensão do horário, fornecimento de refeições, introdução do inglês, redução do número de escolas com poucos alunos... Considera ser este um caminho correcto para o ensino e para o papel da escola na sociedade?
Albino Almeida -
Sem dúvida. Nós achamos que cada vez mais a componente instrução na escola deve estar muito ligada com a componente educação. O conceito de escola a tempo inteiro é aquela que pensa o indivíduo de forma integral. Isto é seguramente qualquer coisa que as IPSS percebem de forma lapidar. Há mais vida para além do cérebro. Há crianças com jeito para o desporto, com jeito para a arte, para o teatro, para as línguas, para a matemática, com jeito para as artes em geral e para as profissões em particular. Nós temos uma realidade em Portugal que é inversa aos países do Norte da Europa, onde há 70 por cento dos alunos a terminarem a escolaridade nas vias tecnológicas e profissionais e só 30 nas vias dos estudos gerais. Nós estamos precisamente ao contrário: 70 por cento estão nos estudos gerais, determinando que muitos jovens licenciados estejam no desemprego. Tudo foi pensado para o cérebro e nada para a outra parte de nós. A escola a tempo inteiro visa alcançar aquilo que em nós está para além do cérebro. O primeiro-ministro tem posto a cabeça no cepo pela educação e saudamos essa opção. Ele sabe que vai ser julgado por isso e sabe que a educação não lhe vai dar dividendos eleitorais a médio prazo. É uma coragem que importa realçar porque muitos ministros andaram a encher a boca com educação e muitos até com paixão, mas a primeira coisa que fizeram foi separar-se dela. Este primeiro--ministro nunca falou da educação com paixão, mas tem-na defendido como se fosse um autêntico casamento. No próximo ano com o desporto e a música começamos a dar razões suplementares aos alunos para gostarem da escola, para além de lá terem os amigos. 

SOLIDARIEDADE - Como se fará, nesse sentido, a relação entre o privado e o público? Os parâmetros de qualidade devem ser os mesmos?
Albino Almeida
- É bom que saibamos que a escola pública deve garantir a universalidade e o acesso a todos, conforme a Constituição, que diz que ela deve ser universal, obrigatória e gratuita, coisa que anda longe da verdade. Sabemos também que muitas zonas no interior do país, foi, é e será, nos próximos tempos, a escola privada o único garante da instrução pública nesses locais. A CONFAP diz, porque o país tem poucos recursos e está em crise, que não deve haver uma dicotomia entre público e privado. Faz sentido que cada uma destas realidades incorpore o melhor que a outra faz. Há uma qualidade percebida no ensino privado que muitas vezes não confere com a realidade e há uma falta de qualidade percebida no ensino público que muitas vezes também não confere com a realidade. O segredo é termos uma escola por projectos educativos, transparente, em que os exames não são o único factor avaliativo, em que se percebe como é feito o acolhimento aos alunos, o acompanhamento dos alunos com necessidades educativas especiais, ou aos alunos com dificuldades na aprendizagem, ministrar o curriculum e inscrever valências de maneira a permitir às crianças desenvolverem os seus talentos. Faz sentido que exista um roteiro das escolas de todo o país e a nossa lei de bases devia permitir aos alunos escolher a escola sem estarem restritos ao local geográfico de residência ou de trabalho dos pais. Não é problema se as escolas são públicas, privadas ou cooperativas. É preciso que as escolas pensem o Homem para além do aluno. É preciso projectos educativos com um financiamento que dependa da qualidade do próprio projecto.

SOLIDARIEDADE - Com os professores vocês têm mantido algumas tensões. Eles fazem parte dos vossos problemas ou das vossas soluções?
Albino Almeida
- Em mais de 90 por cento dos casos, os professores dos nossos filhos são socialmente pais dos nossos filhos. Em geral, eles têm essa noção e esta ideia não se compadece com a imagem negativa da escola pública. Quando vemos a quantidade de jovens que saem para o exterior como homens de sucesso, ficámos a devê-lo a eles mesmo, em primeiro lugar, mas também aos professores. Tal como as associações de pais estão nisto, defendem e lutam, pelos orfãos de pais vivos, também os professores são pais sociais dos nossos filhos, mas cada vez estão mais sozinhos nessa tarefa.

SOLIDARIEDADE - Mas essa consideração não tem ressaltado das intervenções públicas...
Albino Almeida -
Nas escolas, consideradas uma a uma, nós, associações de pais, estamos ao lado dos conselhos executivos. A nível nacional, os sindicatos, onde há líderes há 26 anos que só são líderes sindicais, são a nossa oposição em termos mediáticos. Basta ouvir no terreno os professores para se perceber que muitas vezes os sindicalistas já perderam a noção de ligação à sua própria base. Sem tirar mérito à luta que os sindicatos fazem pelo Estado Social mais avançado e pela luta contra as desigualdades, no actual contrato os sindicatos de professores que têm muitas vezes procurado defender os interesses dos professores estão na prática a contribuir para que a escola não mude, não reflicta e não altere as práticas e, desse ponto de vista, estando nós com os conselhos directivos no terreno, estaremos em oposição aos sindicatos no plano mediático.

SOLIDARIEDADE - Acha que, actualmente, muitos dos interesses dos professores são conflituantes ou opostos aos interesse dos alunos?
Albino Almeida
- Acho que sim, quando são enunciados pelos sindicatos. Quando apresentam documentos, 90 por cento das reivindicações são de carácter deontológico e profissional e 10 por cento é para a pedagogia. Nós estamos preocupados com a pedagogia. Dou-lhe um exemplo: os professores descobriram agora que as escolas não têm qualidade para fazerem projectos de escola a tempo inteiro, mas eu não conheço nenhum documento onde os professores tivessem alertado para isso. Ora, se está no estatuto da carreira docente eles sabiam que qualquer dia, algum governo podia pedir-lhes mais horas nas escolas. Então, só agora é que parecem ter dado conta que as escolas não têm qualidade. Nunca levantaram a voz por saberem que lá estavam alunos sem condições para além da componente lectiva. Por outro lado, nos ministérios da educação e nas direcções gerais estão professores, a lei que prevê os agrupamentos é de 1998, mas a verdade é que até agora os quadros superiores do ministério da educação, das direcções regionais, andaram a construir escolas na lógica das escolas isoladas e não dos agrupamentos. Há uma contradição grande entre o que se diz e o que se andou a fazer. Ora, isto é feito sob a observação dos muitos professores que há no ministério. Há aqui algumas tensões que decorrem do facto dos professores terem 20 organizações que os representam, a unanimidade e o pensamento na classe também não é linear e, por isso, os pais não estão muitas vezes de acordo com aquilo que os professores dizem, quando eles entre si também já não estão de acordo. Em geral, quando é a pedagogia e o superior interesse do aluno que está em jogo nós estamos ao lado dos professores.

SOLIDARIEDADE - Uma pergunta difícil: como é que, na perspectiva dos pais é possível diminuir o abandono escolar e o insucesso?
Albino Almeida
- A CONFAP acha que a questão do abandono está directamente ligada à atractividade da escola. Temos desde há muito a noção de que muitas das coisas que se fazem na escola não vão servir para nada. É preciso perceber do curriculum aquilo que pode sair; é preciso olhar para a lei de bases Roberto Carneiro e perceber que já lá se falava em trabalhar por áreas; alargar a componente lúdica e cultural que leve a que os miúdos se sintam bem na escola; dar-lhes a ideia de que as saídas de ensino que ainda não existem lhes dariam o retorno que eles procuram. Nós temos ainda que dizer que o sacrifício é o que realmente compensa. Fazer a pedagogia do esforço. A felicidade é o caminho e não só a meta. Uma vez convidei o Figo para uma palestra e pedi-lhe para falar, não do gozo que lhe dava os títulos, mas da dificuldade e do trabalho que é preciso ter para ser um campeão. Depois a questão dos exames: nós somos por princípio contra os exames. Chamamos a atenção para a possibilidade de voltarmos a ver considerar os bons professores aqueles que mais chumbam, como se os bons médicos fossem aqueles que mais doentes deixam morrer. O que dissemos ao ME é que é preciso haver condições para apoiar os alunos com dificuldades na aprendizagem. No 2.º ano de escolaridade nós temos um índice de reprovações assustador. É preciso que as escolas tenham bolsas de professores, há imensos desempregados, recorrendo também aos municípios e às instituições, contratar psicólogos e assistentes sociais, capazes de não permitir que seja por falta de apoio pedagógico que os alunos desistam. Enquanto a escola não for atractiva ela dificilmente evitará o abandono e o insucesso, porque os dois problemas estão ligados.

SOLIDARIEDADE - Até que ponto os pais e os seus representantes, na ligação com a escola, admitem ser a razão dos problemas de ensino dos filhos, por causa designadamente do ambiente familiar?
Albino Almeida
- A maior parte dos pais tem uma grande dificuldade em reconhecer - quando o são - que são parte do problema e motivá-los para serem parte da solução é uma tarefa muito difícil. A CONFAP e a CNIS, a todos os níveis, sabem que há problemas sérios que importa ter em consideração. O primeiro é que muito dificilmente alguém que esteja nas condições de muitas famílias está em condições de reconhecer o que quer que seja. Estão dormentes. Já apanharam tanta pancada social, económica e outra que já não reagem. Sem um forte impulso de todos é impossível alterar a realidade dessas famílias. São desestruturadas, têm origens étnicas e culturais diferentes, deserdadas da fortuna, e algumas são famílias e nem sequer deviam sê--lo, por ausência de um planeamento familiar sério. Depois, em segundo lugar, as políticas de família são insuficientes para reduzir essa dormência. Os casados, em termos fiscais, são pior tratados que os que vivem em união de facto ou separados; os que têm muitos filhos são penalizados na conta da água e da luz e não vêm reconhecido o esforço da natalidade; as famílias que têm filhos na escola e a escola não as salvou têm muita dificuldade em dizer aos filhos que a escola é a salvação. Tem que haver colaboração com essas famílias. E convém não esquecer que há 65 por cento das pessoas com níveis de instrução muito baixos. A escola manda para casa os trabalhos de casa, os famosos TPC, que as minhas filhas traduzem por "tortura para criança", que em vez de ligarem pais e filhos separam-nos porque os pais não conseguem acompanhar, nem ajudar, mas fazem juízos, às vezes cruéis, sobre a prestação dos alunos.

SOLIDARIEDADE - Os pais também precisam de formação?
Albino Almeida
- A Confederação propôs ao governo a formação parental ao longo da vida em todos os capítulos, desde o inglês, às novas tecnologias, à alfabetização, em muitos casos, e conteúdos de cidadania. Ensinar aos pais, à noite, nas nossas escolas, onde andam os nosso filhos, ensinar-lhes à noite aquilo que os filhos andam a aprender de dia.

SOLIDARIEDADE - Qual é a representatividade da CONFAP? Em princípio seriam todos os pais de todos os alunos....
Albino Almeida
- Eu costumo dizer que a nossa representatividade é igual à do Presidente da República enquanto supremo magistrado da nação. Na eleição para Presidente votam todos os que lá vão pôr o voto e todos aqueles que não se dão ao incómodo de lá ir. Nas associações de pais é igual. A nossa representatividade é igual à do mais alto magistrado da nação. A CONFAP está preocupada em envolver os pais que não percebem a importância de acompanharem o percurso dos filhos. Como já lhe disse, muitas vezes as associações de pais representam os orfãos de pais vivos.

 

Data de introdução: 2006-04-06



















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