AGOSTO DE 2014

Da farsa à tragédia - por Henrique Rodrigues

1 – Também no caso do BPN o Ministro das Finanças de turno nos assegurou que o processo de intervenção do Estado não custaria um cêntimo aos contribuintes.
A conta da nacionalização dos prejuízos do BPN já vai, no entanto, em mais de 6.000 milhões de euros – que foram pagos por todos nós, os 10 milhões de contribuintes que não são banqueiros.
(A conta dos prejuízos, que foram os únicos que foram nacionalizados, para os pagarmos nós; os lucros, os activos, ficaram para os accionistas.
Mas o capitalismo não é para premiar o risco …? Que risco …?)
Dá uma média de 600 euros que cada português pagou, intermediado pelo Governo, aos donos desse banco: dinheiro que já nos saiu do bolso para que o resultado do saque pudesse continuar tranquilamente nas mãos dos especuladores e dos vigaristas que parasitaram o banco.
Já não largarão mão dessa “pipa de massa”, para falar como o (felizmente) ex- presidente da Comissão Europeia.
E daqui a duas gerações já ninguém se lembra de como os avós enriqueceram …
Pagarão – se pagarem - apenas uns trocados … Para fazer de conta …
As prescrições, as deficiências de investigação e a incompetência, somadas como é a norma, farão com que eventuais julgamentos não perturbem o grosso desse apossamento ilegítimo: “quem rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão”, como diz o provérbio.
(Provérbio acrescentado, por um ouvinte do programa de rádio “Porto de Abrigo”, que, com o P. José Maia, mantenho há 15 anos na Rádio Festival: “… e quem não rouba nada é morcão.”)
É para manter esses barões que tem seguido o dinheiro dos cortes nos salários dos funcionários públicos e nas pensões dos aposentados e reformados.

2 – Não é o BPN o único banco que nos tem levado o couro e o cabelo.
Muitos dos sábios que, nos mais variados órgãos de comunicação social e em horário nobre, nos edificam ininterruptamente no conhecimento das herméticas leis da economia, assentam com razoável unanimidade que o modelo de resolução da actual crise – dita da dívida soberana -, centrado na austeridade e no empobrecimento dos países periféricos, no escalpe, em suma, se destinou a salvar a banca alemã - excessivamente exposta a tal dívida -, à custa dos contribuintes europeus.
E também, já agora, aproveito para lembrar que essa mesma crise da dívida foi desencadeada pela falência, em 2008, de um outro banco, o americano Lehman Brothers – falência que se repercutiu, em ondas de choque, atravessando o Atlântico.
Como os tsunamis.

3 – Há uns dias, na aldeia, cumprindo o ritual de discorrer, em tom ligeiro, ao sábado, com familiares, entre um copo de vinho e uma talhada de presunto, sobre a situação no País, um primo meu – que se mantém, como toda a família, com um saudável distanciamento relativamente à especulação financeira – alvitrava que, com as acções a 40 cêntimos, o BES já devia ter batido no fundo – e que seria, para quem fosse do meio, boa altura para as comprar.
Muita gente deve ter pensado o mesmo – e comprado.
Milhões de acções mudaram de mãos ao longo da última semana de vida do BES.
Mas quem as comprou, em saldo, no princípio da semana, a 40 cêntimos, viu a sua cotação descer, ao fim dela, para cerca de 10 cêntimos – em liquidação total.
Quem comprou – é um supor – um milhão de euros na segunda-feira, ficou com papel a valer apenas 250.000 euros na sexta-feira, 1 de Agosto.
Acabo de ouvir, na televisão que, só na última meia hora antes do fecho das bolsas, na sexta-feira, 1 de Agosto, tais acções desceram cerca de 40%.
Ora, com as medidas determinadas pelo Banco de Portugal e pelo Governo, todas essas acções, a partir de segunda-feira, 4 de Agosto, nada valerão.
Quem as tem, perderá tudo.
O jornalista da televisão referiu mesmo que, para se venderem a 10 cêntimos acções no último dia em que elas foram transaccionadas - com perdas, em meia hora, de 40% do valor -, só mesmo tendo havido informação privilegiada por parte de quem vendeu, que preferiu receber 10 cêntimos na sexta-feira – repartindo os prejuízos com os incautos - a não receber nada na segunda-feira seguinte.
E que tal informação privilegiada só poderia provir de quem soubesse da decisão já tomada e do seu timing.
Não começaram bem as autoridades este assunto, ao não protegerem os inocentes – pelo contrário, permitindo esse último bónus aos accionistas.

4 – Tal como Teixeira dos Santos, também o Governador do Banco de Portugal e a Ministra das Finanças vieram a público procurar tranquilizar os contribuintes, assegurando-lhes que nem um cêntimo dos seus impostos irá ajudar a remendar as malfeitorias no BES.
Por mim, não acredito.
Tarde ou cedo, o Estado virá cobrar-me mais IRS, ou cortar-me ainda mais a pensão, ou diminuir-me o salário, para salvar o banco e os seus donos: os novos e os velhos, os do “bad” e os do “good”.
Sempre mais, em cada ano, como foi com o BPN – e nunca vai chegar.
(E, em comparação, o BPN era um banco de vão de escada.)
Vai ser como a mágoa na canção do Adriano Correia de Oliveira: “Fiz uma cova n’areia/P’ra enterrar minha mágoa./Entrou por ela o mar todo/Não encheu a cova d’água.”
O dinheiro – 6.000 milhões, parece - vem da troika, ao que dizem.
Mas é preciso pagá-lo, com juros, como sucede com a totalidade dos 78.000 milhões do empréstimo do BCE, do FMI e da UE.
Alguém acredita que um banco que nasce de forma tão insólita e apressada, com tão más famas e mau nome na praça, que os clientes vão abandonar na primeira oportunidade, possa gerar em curto prazo lucros que permitam pagar ao Estado, para este pagar à troika?
É que – e aqui está o sofisma das autoridades -, se o não conseguir, quem paga é o Estado, é o dinheiro público.
Somos nós: os “morcões” do feliz aditamento ao provérbio.

Henrique Rodrigues – Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde    

 

Data de introdução: 2014-08-08



















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