1 – Por estes dias, na Assembleia da República, debate-se o Orçamento do Estado para 2026.
Foi já aprovado na generalidade, passando-se à fase da discussão na especialidade, em que os diversos partidos, quer os que sustentam o Governo, quer os que integram a Oposição, podem apresentar propostas de alteração ao referido documento.
O Governo já esclareceu que a margem de alterações a aprovar será escassa, devendo manter-se os traços fundamentais da proposta apresentada pelo Executivo.
E também parece já estabilizada a ideia do que o debate das alterações se concentrará na questão das pensões, confrontando-se duas ideias opostas:
por um lado, o Governo, e o PSD e CDS com ele, defendendo a possibilidade de, se a execução orçamental for favorável, ser atribuído um suplemento excepcional ao valor das pensões, a acrescer à actualização regulamentar devida, sem que tal montante seja integrado no valor-base das pensões respectivas, isto é, sem que tal montante suplementar passe a integrar a base de cálculo de futuras actualizações anuais – repetindo a fórmula seguida em 2025;
por outro lado, o PS, avançando com a proposta daquilo que designa como “aumento estrutural” do valor das pensões, isto é, somando ao valor base resultante da actualização anual segundo a fórmula legalmente definida o montante do aumento suplementar, passando as sucessivas actualizações anuais a incidir sobre uma remuneração-base resultante desse valor reforçado.
Simplificando: segundo a proposta do Governo, chegados a Dezembro de 2026, o valor da pensão de cada reformado ou aposentado seria a soma do valor da pensão em Janeiro de 2026 com o montante da actualização estatutária em 2026; e segundo a proposta do PS, à referida soma haveria que acrescentar o montante do aumento estrutural.
2 – A minha primeira observação é semântica – e é de discordância relativamente à designação dos beneficiários desse estipêndio mensalmente atribuído a quem, após uma vida de trabalho, se reformou ou aposentou.
O Governo – este, como os anteriores – chama-lhes pensionistas.
Eu prefiro a designação de “reformados” ou “aposentados”, consoante tenham trabalhado no sector privado ou para o Estado. “Pensionista” remete para um registo semântico de concessão, de atribuição facultativa, de uma mercê (do Governo).
(Como se fosse uma tença, como a atribuída pelo Estado a Luís de Camões, “tão pobre que comia de amigos …”, escreveu Diogo do Couto.”)
Ora, se há coisa que o Tribunal Constitucional deixou bem clara, aquando da ofensiva do Governo de Passos Coelho contra as pensões, foi a natureza destas como um direito do seu titular, como contrapartida do nosso modelo previdencial, construído a partir do seu financiamento pelas relações laborais, pelos descontos sobre os salários, efectuados pelos trabalhadores e pelos respectivos empregadores.
“Reformado” ou “aposentado” remete semanticamente para um estado, uma titularidade de direitos, enquanto “pensionista” possui uma conotação passiva, de beneficiário de uma concessão.
A imprensa, em regra transcritora acrítica da linguagem do poder, ajuda a criar essa impressão.
3 – O que me leva a outro aspecto da utilização da modulação da linguagem para induzir percepções enganadoras – ainda sobre as pensões.
Quando chega a altura do ano em que o Governo, no estrito cumprimento da obrigação legal, determina a actualização das pensões, o tom normal das notícias é o seguinte: “as pensões são aumentadas em x%.
Os meios de comunicação social chamam aumento ao que constitui uma mera actualização, para repor poder de compra; e obliteram que muitas das pensões de reforma ou de aposentação de nenhum aumento são objecto … nem de aumento, nem de actualização sequer.
Para 2026, prevê-se uma actualização de 2,79% - 0,5 por cento acima da inflação esperada -, mas apenas para as pensões até 1045 euros; e igual ou inferior à inflação esperada nas pensões superiores a esse montante.
E há pensões de reforma ou de aposentação que não são objecto de actualização nenhuma, desde há muitos anos – e que vão continuar assim, não obstante o seu titular tenha feito os descontos durante a vida activa na mesma percentagem dos restantes.
Essa diferenciação de regimes recomendaria que o jornalismo especializado não embandeirasse em arco com as propostas dos sucessivos Governos quanto a essas medidas, dando-lhes um alcance superior ao que possuem e deixando implícito, falsamente, que a percentagem de atualização mais elevada – em regra, igual à inflação – compreende todas pensões, como se todas tivessem a actualização calculada por essa (percentagem) mais elevada.
4 – Voltemos ao Orçamento para 2026 e às pensões: suplemento excepcional, como quer a AD; ou aumento estrutural, para além da actualização legal, como quer o PS?
Sou favorável ao suplemento excepcional.
Não porque considere que as pensões são de montante adequado ao que seria justo.
É difícil considerar justo que 90% das pensões estatutárias sejam inferiores a 1045 euros mensais, como disse a Ministra do Trabalho no fim de semana passado.
Mas a luta contra a pobreza deve ser assegurada pelo Estado –através do seu Orçamento, como é o caso do CSI; não pelos trabalhadores, através do Orçamento da Segurança Social, de que são os trabalhadores os verdadeiros donos.
Enquanto não forem expropriados dele.
Há dois anos, Luís Montenegro alicerçou a sua caminhada vitoriosa para o poder reconhecendo a cizânia de que os reformados haviam sido vítimas no governo da troika e propondo-se a reconciliação com esse grupo social.
Mas quem esteve por trás desse ataque então feito aos reformados não desistiu de entregar ao capital financeiro e aos grandes grupos das seguradoras as receitas da Segurança Social com vista à especulação bolsista.
Maria Luís Albuquerque, Ministra do governo da troika e actual Comissária Europeia, já veio afirmar na semana passada a intenção da Comissão Europeia de fazer depender os financiamentos comunitários aos estados-membros da condição de estes colocarem no mercado de capitais fundos da Segurança Social.
E, no passado fim de semana, o regressado Pedro Passos Coelho veio lembrar aos seus sucessores na chefia do Governo que acabou o tempo “… daquilo que se vai dando todos os anos, assim como quem distribui um prémio aos reformados …”
Quem está a estudar a sustentabilidade da Segurança Social são repetentes do tempo da troika.
Não mudaram de alinhamento.
Mas nós também não!
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
Não há inqueritos válidos.